Se você é millennial (quem nasceu entre 1980 e 1994), provavelmente já xingou muito nas redes sociais sobre os boletos que não param de chegar, compartilhou memes sobre isso ou até engajou numa conversa filosófica sobre o ciclo eterno de trabalhar para pagar contas. Mas saiba que, para algumas pessoas da geração seguinte – a geração Z –, essa fixação com boletos é cringe.
Cringe é uma gíria usada nas redes sociais para indicar algo meio constrangedor – aquilo que te dá um pouco de vergonha alheia, sabe? Era um termo comum entre pessoas da geração Z, mas uma conversa recente no Twitter sobre coisas que millennials fazem que “zillennials” acham cringe espalhou a palavra por aí – é só dar um Google que você vai ver matérias e testes sobre isso nos principais portais do Brasil.
E uma atitude que os Gen Z classificam como cringe é, justamente, ficar falando sobre boleto – não o termo em si, mas essa história de “minha vida é pagar boleto e blá blá blá”. Isso, claro, pegou muitos millennials de surpresa, que logo concluíram: “ah, eles só pensam dessa maneira porque não têm que pagar contas”.
Mas… será que é isso mesmo? Para encontrar uma resposta, é necessário entender quem é a geração Z e como ela se relaciona com o dinheiro.
Quem é essa tal de geração Z?
Em geral, a geração Z abrange as pessoas que nasceram entre a segunda metade dos anos 1990 (1995, 1996) e o início dos anos 2010. Mas não existe uma classificação oficial, por isso é comum encontrar outras variações – alguns lugares, por exemplo, afirmam que os zillennials são os nascidos entre os anos 2000 e atualmente.
De qualquer forma, essa geração é conhecida como a primeira nativa digital: que nasceu em um mundo em que a internet já existia, teve acesso às redes sociais logo cedo e cresceu familiarizada com dispositivos eletrônicos – considerando, é claro, as pessoas que tiveram acesso financeiro a estas coisas.
Existem millennials que também nasceram nessa era? Existem, mas a maioria da também chamada geração Y veio antes do surgimento da web como a conhecemos hoje, criada em 1992.
E, justamente por ser uma geração com amplo acesso à informação por meio da internet, as pesquisas apontam que a geração Z tem como pilar uma busca constante pela verdade, não gosta de se definir e está sempre atrás de autenticidade – o que se reflete em mais liberdade de expressão e mais abertura para compreender diferenças.
4 características da geração Z
Um estudo realizado pela consultoria McKinsey em parceria com a Box 1824 elencou quatro características principais da geração Z (considerados os nascidos entre 1995 e 2010):
- Indefinidos: para a geração Z, o mais importante é não ter de se definir de acordo com um único estereótipo. Segundo o estudo, essas pessoas experimentam diversas maneiras de ser e moldam sua individualidade ao longo do tempo – são “nômades de identidade”. A fluidez de gênero é um reflexo disso.
- Participativos: os zillennials são muito inclusivos e circulam por diferentes comunidades relacionadas às causas que defendem. Além disso, não fazem diferença entre amigos do “mundo real” e do “mundo virtual” – contanto que estejam conectados por interesses comuns.
- Abertos ao diálogo: a geração Z acredita na importância do diálogo, é mais aberta a opiniões diferentes e pensa que a mudança deve acontecer por meio da troca. No lugar de romper com o sistema e instituições, essas pessoas preferem interagir e extrair tudo o que faz sentido para elas.
- Realistas: como consequência da enorme quantidade de informações disponíveis, os zillennials são mais pragmáticos e analíticos ao tomar decisões do que gerações anteriores. Além disso, são autodidatas e se sentem mais confortáveis em buscar novos conhecimentos online do que em uma sala de aula tradicional.
Como a geração Z se relaciona com o dinheiro?
Não dá para falar da relação da geração Z com o dinheiro sem entender o contexto em que ela cresceu.
Em 2008, os zillennials presenciaram uma das maiores crises econômicas da história mundial – resultado do estouro de uma bolha no mercado financeiro dos Estados Unidos que impactou economias do mundo todo.
Anos mais tarde, viram o Brasil entrar em uma recessão histórica que elevou as taxas de desemprego, a inflação e impactou o poder de consumo dos brasileiros.
Esse contexto adverso tornou a geração Z menos idealista do que os millennials, de acordo com a pesquisa da McKinsey. Como consequência, muitos acreditam que a estabilidade no trabalho é mais importante que o dinheiro – e entendem que é importante guardar para o futuro.
Além disso, muitos zillennials se preocupam em ter um emprego. Segundo o estudo da McKinsey, 42% dos brasileiros entre 17 e 23 anos já estavam trabalhando (em período integral, meio período ou como freelancer) – um número alto para a faixa etária.
E como isso se reflete nas finanças pessoais da geração Z?
Desculpe, millennial, mas a geração Z também paga boleto: seis em cada dez zillennials no Brasil contribuem financeiramente para o sustento da casa, segundo uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) com o SPC Brasil e o Sebrae. Os principais gastos são:
- Alimentação (51%);
- Roupas, calçados e acessórios (43%);
- Produtos de higiene e beleza (34%);
- TV por assinatura e/ou internet (31%);
- Contas de serviços básicos como água e luz (27%).
Quando o assunto é controle das finanças pessoais, entretanto, a geração Z não é nada tecnológica: entre quem tem algum tipo de organização financeira, cerca de 26% faz isso em um caderno de anotações, agenda ou no papel – apenas 12% usa aplicativos de celular.
Por outro lado, 46,9% dos zillennials não realizam nenhum controle do orçamento – e três em cada dez jovens entrevistados já estiveram com o nome negativado, ainda de acordo com a pesquisa da CNDL, SPC e Sebrae.
Outro dado curioso para uma geração tecnológica é que, entre os jovens Z que têm dinheiro guardado, mais da metade faz isso na poupança, segundo a pesquisa. Sim, na poupança: eles podem até ser jovens, mas o lugar onde ainda guardam seu dinheiro é mais antigo que o telefone.
Entre os principais motivos para guardar dinheiro estão imprevistos, viagens, compra da casa própria, compra de automóvel e abertura do próprio negócio.
E lembra que a pesquisa da McKinsey apontou que a geração Z entende que é importante guardar dinheiro para o futuro? Apesar disso, três entre quatro não se preparam para a aposentadoria, mostrou o estudo da CNDL, SPC e Sebrae. Os motivos apontados são falta de renda, achar que é cedo para pensar nisso, nunca sobrar dinheiro e não saber como fazer.
Como a geração Z consome?
A cada cinco zillennials, quatro concordam que seu objetivo de vida é trabalhar muito para conseguir comprar as coisas que querem – como roupas, carro e celular, apontou a pesquisa da CNDL, SPC e Sebrae.
E, ao comprar, mais de 80% da geração Z pesquisa bastante os preços e quase 65% sempre pede desconto. Afinal, para 74% dos entrevistados, quase tudo o que compram é muito bem pensado e estudado. Para mais de metade, os bens de uma pessoa mostram seus valores e personalidade.
Justamente por isso, muitos buscam consumir de empresas que conversam com suas crenças pessoais: 70% dos entrevistados da pesquisa da McKinsey dizem que buscam comprar de empresas que consideram éticas, e cerca de 65% busca checar a origem de tudo o que compra – onde e como é fabricado e do que é feito, por exemplo.
Tudo isso é um reflexo daquelas características da geração Z mencionadas no começo do texto: indefinidos, participativos, abertos ao diálogo e realistas – o que ajuda a ter uma pista de por que eles acham que falar de boleto é cringe.
Por que falar de boleto é cringe?
Uma hipótese é que, justamente por serem bastante realistas e pragmáticos, os jovens da geração Z enxergam os boletos como eles são: boletos. Se eles existem, é porque a pessoa consumiu – e a única alternativa é lidar com eles, simples assim.
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