Você pode nem perceber, mas grande parte do seu dia já está no automático, segundo estudo da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Na prática, isso quer dizer que sua rotina está repleta de atividades feitas “sem pensar”. Mas o que parece uma boa notícia pode ser um obstáculo na construção de novos comportamentos – afinal, parte do processo de criar um hábito é mudar algo na sua rotina, e é mais difícil alterar aquilo que opera de forma autônoma. Se a tarefa já não é tão simples individualmente, como criar hábitos em família? E o que isso tem a ver com dinheiro?
Não existe uma resposta simples para essa pergunta, mas criar hábitos em grupo, além de facilitar o processo, também mantém as pessoas insistindo no mesmo comportamento por mais tempo, afirma Charles Duhigg, autor do livro “O Poder do Hábito”.
Depois de analisar diversos estudos e entrevistar centenas de pessoas para entender a construção de hábitos individuais e em empresas, Duhigg concluiu que, ao se comprometer com um grupo, uma pessoa tende a cumprir aquilo que se propôs a fazer, pois assinou, de alguma forma, um contrato público social.
Abaixo, entenda por que criar hábitos em família pode ajudar no futuro financeiro dos seus filhos, e recomendações de como fazer isso.
O que os hábitos têm a ver com dinheiro?
Segundo os pesquisadores da Universidade de Duke, dos Estados Unidos, David Neal, Wendy Wood e Jeffrey Quinn, um hábito é tudo aquilo que não apenas é feito repetidamente, mas de forma quase inconsciente. “São respostas executadas com controle consciente mínimo”, afirmaram em estudo.
É neste ponto que as pessoas costumam confundir hábitos com rotina – e essa confusão é um dos obstáculos para a construção dessas respostas automáticas, segundo Nir Eyal, escritor e professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos.
Ele explica no livro “Como dominar a sua atenção e assumir o controle da sua vida” que um hábito é um tipo de rotina, mas nem toda rotina é um hábito. “Enquanto a rotina pode ser algo desconfortável de fazer, exige esforço e pode ser facilmente deixada de lado, um hábito parece desconfortável quando não o praticamos”, diz.
Ou seja, se você precisa colocar uma tarefa na agenda ou fazer um esforço para executá-la, está tentando inserir algo na rotina. Quando essa ação é, de fato, um hábito, o automatismo é tão forte que não são necessários lembretes. E quando esse comportamento não é realizado, há um sentimento de perda, uma sensação de que algo está errado.
E o que isso tem a ver com dinheiro?
Grande parte das decisões financeiras tomadas pelas pessoas também está no automático. É puro hábito, segundo concluiu Daniel Kahneman, psicólogo e prêmio Nobel de Economia. Ao estudar o funcionamento do cérebro no modo como lidamos com dinheiro, ele criou a teoria das duas formas de pensar:
- O sistema 1, que dá respostas automáticas e rápidas com base em experiências semelhantes passadas;
- E o sistema 2, que elabora o pensamento antes de chegar a uma conclusão.
Kahneman concluiu que operamos no sistema 1 na maior parte do tempo. É por isso que é tão simples pedir delivery, fazer aquela compra no cartão de crédito, entrar em um parcelamento sem pensar. Afinal, calcular a relação entre pedir comida pelo app e cozinhar em casa, checar se o salário vai dar conta de pagar a fatura do cartão e outras despesas, e entender se vale mesmo a pena parcelar uma compra em vez de pagar à vista exige esforço e energia – tudo o que o nosso cérebro quer poupar.
Segundo o psicólogo, não há nada de errado em tomar decisões no automático. O problema é que nem todas as situações podem ser resolvidas sem elaboração. Comprar um sorvete após o almoço e financiar uma casa são questões financeiras bem diferentes, que requerem processos de decisão distintos.
Por que criar hábitos financeiros em família?
Porque esse trabalho em grupo não apenas facilita o controle financeiro dos pais como incentiva as crianças a desenvolverem hábitos que vão beneficiá-las no futuro, segundo a planejadora financeira Viviane Ferreira.
“São os hábitos que fazem uma família ter as finanças equilibradas ou estar endividada. E fazer esse trabalho em grupo, incluindo as crianças, contribui não apenas para o presente, mas para o futuro delas, porque quanto mais cedo elas aprendem hábitos financeiros saudáveis, mais fácil será lidar com dinheiro na fase adulta”, explica.
Além disso, a criação de hábitos financeiros em família influencia outros fatores, segundo a planejadora.
Desenvolvimento de habilidades sociais
Para criar hábitos em família, os pais precisam envolver os filhos ativamente. Ou seja, é uma oportunidade de as crianças desenvolverem habilidades sociais, como comunicação, trabalho em equipe e resolução de conflitos desde cedo; e também características importantes para as finanças, como autodisciplina, organização e responsabilidade.
Aprendizado pelo exemplo
Quanto menores forem as crianças, mais elas aprendem pelo exemplo. Por isso, ao criar hábitos em família, as crianças conseguem observar o comportamento e decisões dos pais sobre dinheiro. “Elas tendem a repetir o comportamento dos pais e, se eles são organizados com dinheiro, elas entendem isso como algo natural”, diz Ferreira.
Isso não significa, porém, que famílias desorganizadas financeiramente não conseguem ensinar aos filhos comportamentos saudáveis. Na verdade, criar hábitos financeiros em família é uma oportunidade para os pais arrumarem as finanças.
Senso de estabilidade
Crianças e adolescentes precisam sentir que estão em um ambiente seguro. E hábitos financeiros saudáveis contribuem para esse sentimento de estabilidade porque garantem previsibilidade.
Quando uma família sabe exatamente quanto entra na conta bancária, o tamanho das despesas e as atividades do mês, ela fica muito mais tranquila e consegue focar a energia em outros assuntos, inclusive passando mais tempo com os filhos.
“Hábitos financeiros ruins deixam a rotina desorganizada, geram preocupações constantes e irritabilidade. Tudo isso impede a criação de um ambiente estável para os filhos”, afirma Ferreira.
Fortalecimento dos laços familiares
Criar hábitos financeiros em família também é uma oportunidade de estreitar os laços do grupo. Isso porque, no processo de criação desses hábitos, é necessário conhecer cada pessoa, suas vontades, sonhos e também suas dificuldades e fortalezas. Esse compartilhamento de experiências reforça o sentimento de pertencimento nas crianças e aumenta a confiança entre os adultos.
Como criar hábitos financeiros em família?
O processo para criar um hábito em família tem muitas semelhanças com a dinâmica individual. A diferença é que, em grupo, é preciso fazer combinados e chegar a consensos – o que pode ser um complicador. Por outro lado, grupos tendem a se apoiar, tornando o processo mais fácil e até divertido.
Abaixo, confira como criar hábitos financeiros em família.
1. Identifique os hábitos individuais e em família que quer criar
O que você e sua família querem mudar? Gastar menos com pedidos no delivery? Investir mais para a viagem de férias? Não importa o comportamento, é importante que ele seja claro e específico. Além disso, vale aqui um tempo para analisar se o comportamento que quer criar pode ser mesmo um hábito. Isso porque aquilo que você quer mudar pode não ser o hábito que precisa desenvolver.
Por exemplo: gastar menos com delivery não é um hábito, mas a consequência do hábito de cozinhar em casa. Ou seja, o comportamento que você quer desenvolver é o de cozinhar em casa. O resultado é pedir menos no delivery.
2. Tenha claro o motivo da mudança
No processo de criação de hábitos, há uma fase chamada de ponto de inflexão – o momento em que determinado comportamento está entrando na rotina, mas, por algum motivo, ele é deixado de lado.
Por exemplo: você começa uma planilha para controlar o seu orçamento e insere informações nela diariamente. Depois de um tempo, passa a usá-la semanalmente, até que para de abri-la definitivamente. Esse é o ponto de inflexão. Somente um motivo claro e forte é capaz de fazer você não parar de abrir a planilha e, quando o fizer, voltar rapidamente para ela.
Tenha um motivo significativo para criar um hábito. É ele que vai ajudar a manter o comportamento na rotina.
3. Mapeie a sua rotina atual e identifique se há algo que pode atrapalhar a criação desse novo hábito
Depois que a lista dos hábitos que a família quer desenvolver estiver pronta, é hora de fazer um raio-x da rotina atual do grupo e de cada pessoa. A ideia aqui é identificar se existem comportamentos ou situações que podem atrapalhar a construção desses novos comportamentos.
Não pule nada nesse mapeamento: lembre-se de que grande parte da sua rotina já está tão no automático que é possível que você acabe não identificando determinada atividade.
O objetivo desse raio-x não é eliminar os hábitos ruins (aqueles que prejudicam as finanças da sua família ou que caminham no sentido contrário aos comportamentos que quer criar). Afinal, esses detratores podem já estar no automático e, segundo um estudo do MIT (Massachusetts Institute of Technology), quebrar um hábito é tão difícil quanto criar um novo.
A meta é estar ciente desses comportamentos que você quer mudar para que, ao longo do processo, seja possível reduzir o volume desses comportamentos nocivos ou trocá-los por aqueles que quer desenvolver.
4. Adicione o hábito que quer ter a algo já estabelecido na rotina
No livro “Hábitos Atômicos”, o especialista em hábitos James Clear afirma que a melhor estratégia para criar um hábito é quebrar o comportamento desejado em pequenas partes e inseri-las na agenda próximas a ações já estabelecidas.
Cozinhar em casa (e, assim, gastar menos com delivery), por exemplo, envolve algumas etapas: planejar o cardápio da semana, ir ao supermercado, encontrar tempo para o preparo. A proposta de Clear é que cada fase seja encaixada próxima a uma tarefa que você faz todos os dias sem pensar.
O planejamento do cardápio, por exemplo, pode ser feito toda sexta-feira, logo após o café da manhã, ou depois do banho. O supermercado pode entrar na agenda todo sábado, depois do almoço. E o preparo no domingo, após a academia.
Nessa tática, a atividade já estabelecida funciona como um gatilho para a ação que você quer criar. O importante é que a atividade que funcionará como lembrete seja realmente um hábito já estabelecido.
A tática tem base em estudos. De acordo com o psicólogo Daniel Kahneman, um novo hábito exige que o cérebro crie novos caminhos. Ao atrelar o novo comportamento a algum já estabelecido, fica mais fácil persistir. Na prática, para o cérebro, é mais simples criar uma nova rota a partir de uma já aberta, do que fazer isso num campo sem trilhas.
5. Crie recompensas
A criação de hábitos passa, basicamente, por três fases, concluiu Charles Duhigg, no livro “O Poder do Hábito”:
- O gatilho: aquilo que vai funcionar como um lembrete para o comportamento;
- A rotina: é a ação em si feita após o gatilho. Por exemplo: criar o cardápio da semana, ir ao supermercado e, por fim, cozinhar;
- E a recompensa: o que você ganha ao realizar a ação.
Em adultos, um motivo forte para a ação pode ser recompensa suficiente para manter o comportamento desejado na rotina dia após dia. O mesmo não se pode dizer de crianças e adolescentes que tendem a ter mais dificuldade de esperar a recompensa futura de determinado hábito.
É por isso que vale criar recompensas ao longo da jornada. O hábito de cozinhar e comer em casa pode trazer um benefício de curto prazo para os pais, que vão economizar com delivery. Mas quais são os ganhos para os filhos? A ideia, então, é identificar recompensas em alguma das etapas da criação desse hábito.
A ida ao supermercado, por exemplo, pode ser o trajeto final ou inicial de um passeio no parque. Ou a hora do preparo pode também ser um momento de brincar.
O importante nesse processo é que a recompensa esteja diretamente ligada ao comportamento desejado. Dessa forma, o cérebro consegue entender que essa sensação de bem-estar acontece por causa de determinada ação e, assim, vai facilitando o caminho para a criação do hábito.
6. Repita, repita e repita
A ciência do comportamento é clara nesse sentido: não é possível criar um novo hábito sem repetição. Ou seja, não adianta apenas colocar o comportamento na rotina, é preciso repeti-lo até que ele se torne automático e que você e sua família sintam que perderam algo ao não fazê-lo.
Mas o processo não é linear, principalmente quando envolve crianças. Sim, em alguns dias, você não vai conseguir cozinhar, seja pelo cansaço ou por um imprevisto – é o ponto de inflexão. O importante não é focar na ação que não foi feita, mas voltar para ela o quanto antes. Reforçar os motivos que movem sua família em direção a esse hábito e até rever as recompensas ajudam no processo.
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