“Se Carlos Drummond de Andrade tivesse tido a oportunidade de ir no boteco do Zé Batidão, num dia de Cooperifa, diria que ela é a salvação da lavoura poética”. É com essas palavras que Emicida abre o segundo episódio do Chamaê, podcast produzido junto ao Nubank. O convidado dessa vez é Sergio Vaz, o próprio criador da Cooperifa, um dos maiores saraus do Brasil.
Nascido em Minas Gerais e radicado em São Paulo, foi nos bairros de periferia da região Sul da capital, como Parque Santo Antônio, Jardim Ângela e Jardim Guarujá, que Sergio Vaz encontrou o seu lar.
Autor de oito livros e ganhador de sete prêmios, Sergio protagonizou com Emicida um papo sobre história, literatura e o poder das palavras. E ele crava: “Não é o povo que está precisando da literatura, é a literatura que está precisando do povo.”
Ouça o episódio inteiro:
Antes de Sergio ser o poeta Sergio Vaz, ele era apenas um menino curioso criado só pelo pai e que viveu a sua juventude em uma periferia pobre e violenta da década de 1970.
Conheça, a seguir, um pouco da vida e obra do artista.
A infância
“A escola não tinha um atrativo pra mim, mas eu gostava do recreio. Quando você cresce em uma casa sem quarto, o único lugar onde você pode receber os seus amigos é no pátio da escola”, diz Sergio.
Apesar da fase escolar não ter sido das melhores, foi ainda na infância que o gosto pela leitura surgiu e, segundo ele, o salvou. Mais especificamente, nas páginas de “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes.
“Meu primeiro livro foi Dom Quixote. Ele atravessou a minha humanidade e me fez gostar de viver. Quando terminei, entendi que era um sonhador e que quem tinha um problema era o mundo, não era eu.”
Sergio Vaz
Naquela época, segundo Sergio, garotos que gostavam de ler não eram bem vistos na periferia – um sentimento compartilhado com Emicida, que diz que se escondia para ler em paz. Essa estranheza é reflexo de um estigma que há anos coloca a literatura em um espaço elitizado e inacessível.
Porém, uma vez que o canal da leitura foi aberto, não teve mais como voltar. O hábito tornou Sergio Vaz um jovem sensível e atento às pessoas ao seu redor. O menino cresceu no mesmo bar do Zé Batidão que hoje empresta o seu salão para os saraus da Cooperifa. Porém, naquela época, ele era só um típico bar de periferia, cujo dono era o seu pai.
Atrás do balcão, o menino Sérgio ouvia histórias e desabafos dos homens adultos que frequentavam o bar. Foi a provocação de um deles que mudou tudo. “Ele olhou pra mim e falou: ‘Como você quer ser poeta se não enxerga o que não pode ser visto?'”
“A primeira aula de poesia quem me deu foi um malandro que provavelmente nunca leu um livro.”
Sergio Vaz
A partir desta lição, o passo seguinte foi se encontrar com os “clássicos”: Sergio buscou refúgio em textos como Os Miseráveis, de Victor Hugo, e entendeu que era um sonhador depois de ler Capitães de Areia, de Jorge Amado. A lista só foi aumentando, assim como a vontade de escrever.
Os primeiros livros
Subindo a ladeira mora a noite, de 1988, foi a primeira publicação de Sergio Vaz, produzida em parceria com a poetisa Adrianne Muciolo,. Feito de forma independente e com tiragem de quinhentos exemplares, o livro aborda temáticas sociais profundas.
Em 1994, o autor lançou Pensamentos vadios, uma obra também independente. Ao longo dos anos, vieram A margem do vento, A poesia dos deuses inferiores, a coletânea Colecionador de pedras, a biografia do autor e sarau Cooperifa – Antropofagia Periférica, e os livros Literatura Pão e Poesia e Flores de alvenaria
O sarau da Cooperifa
Nascida em 2001, a Cooperifa surgiu quando um grupo de amigos (poetas, fotógrafos, músicos e artistas plásticos) decidiu ocupar o espaço de uma fábrica inativa no município de Taboão da Serra, localizado na Grande São Paulo. Em 2002, a Cooperifa mudou de casa, e passou a ocupar o bar do Zé Batidão, na Zona Sul de São Paulo – o mesmo em que Sergio se descobriu poeta ainda garoto.
Sempre às terças-feiras, os saraus atraem, em média, 200 pessoas interessadas em declamar textos literários ou em prestigiar as performances. O sarau da Cooperifa também divulga eventos culturais e é um espaço de importantes debates sobre temas de interesse geral da comunidade.
“A gente queria mudar da periferia até entender que tinha que mudar a periferia. Hoje muita gente fala que mora perto do salão da Cooperifa, diz o poeta.
“Pude devolver pra minha quebrada aquilo que ganhei.”
Sérgio Vaz
Veja, abaixo, um vídeo feito em um dos saraus da Cooperifa.
Premiações
À medida que sua obra foi ficando conhecida, Sergio Vaz ganhou reconhecimento. Veja, abaixo, os prêmios mais importantes conquistados por ele em ordem cronológica.
- 2004 – Prêmio Heróis Invisíveis pelo Instituto Gilberto Dimenstein
- 2007 – Prêmios Unicef
- 2010 – Orilaxé (Grupo Cultural AfroReggae), na categoria empreendedor social;
- 2011 – Trip Transformadores;
- 2011 – Prêmio Governador de São Paulo, categorias Inclusão Cultural e Destaque Cultural (Secretaria de Cultura de São Paulo)
- 2015 – Prêmio Hutúz, na categoria Hip Hop, Ciência e Conhecimento
- 2015 – Prêmio Amigo do Livro, da Câmara Brasileira do Livro
Quer saber mais sobre Sergio Vaz e sobre o Chamaê? Então confira a página especial do podcast com todos os episódios, fotos, vídeos e textos em primeira mão.
Se gostou deste conteúdo leia também:
Chamaê: quatro livros e autores fundamentais, segundo Sergio Vaz
“Vou ser a ‘véia’ da lancha hoje”: Marina Sena é entrevistada por Emicida no podcast Chamaê
Quem é Marina Sena? Conheça a primeira convidada do podcast Chamaê
Chamaê: seis artistas de Minas Gerais que você precisa conhecer, segundo Marina Sena