Descobertas

Nessa parte, são apresentados os principais achados do estudo, no detalhe.

ILUSTRADORA: @aua___art

Auá Mendes, Mauá/SP

Como é o seu processo criativo?

”Eu trabalho com artes visuais, sou grafiteira, ilustradora, pixadora, performer, diretora de arte, palestrante e designer gráfica. Meu processo criativo começa pela necessidade de comunicar realidades que vejo e vivo.”

Você sente ou sentiu desafios sendo mulher empreendedora criativa?

”Sinto bastante, ainda mais sendo indígena. Os estereótipos são colocados em meu corpo e posturas a todo tempo, mas não deixo isso ser um empecilho. É, sim, uma fortaleza para continuar em busca da construção do meu caminho, para que muitas como eu possam trilhar possibilidades infinitas, acreditando no seu potencial.”

Como você faz a sua organização financeira?

”É feita com muita cautela pois meu costume no passado era de não ter algo pra comer, e hoje a realidade é um pouco diferente. Portanto, hoje o controle é feito visualizando as necessidades fixas da casa, e em seguida as dos meus negócios. Eu lido bem com os fluxos mas preciso de controle nos gastos. Muitas vezes fico no negativo, as despesas se unem e fica mais difícil selecionar qual precisa de mais atenção.”

Você encontrou barreiras para seguir como empreendedora na pandemia?

”Encontrei sim porque eu usava apenas a internet para construir meu fluxo de produtividade. Ele não era tão bem sucedido, mas as indicações em momentos certos me possibilitaram continuar meu trabalho, acreditando no meu potencial e em suas possibilidades.”

O impacto da crise sanitária

Ainda nos primeiros meses da pandemia, o efeito sobre o empreendedorismo já pôde ser sentido intensamente. O número de empreendedores (com e sem CNPJ) como um todo diminuiu (Gráfico 1), mas a redução foi mais significativa entre os informais (Gráfico 3).

Por conta da redução da circulação de pessoas e do consumo, caiu também a demanda por atividades de serviços pessoais, como de cabeleireira e manicure, alojamento (albergues, pensões, campings), bares, restaurantes e comércio de rua – que são algumas das principais atividades exercidas pelas mulheres. Diante desse cenário, muita gente optou por sair totalmente do mercado.

O número total de donos de negócios (Empregadores e Conta Própria somados) caiu de 29 milhões no quarto trimestre de 2019 para 25,6 milhões no segundo trimestre de 2020. A partir do terceiro trimestre de 2020, se manteve praticamente estável apesar da menor restrição à circulação, mas no quarto trimestre de 2020 houve uma recuperação de 6,3% do número de empreendedores ativos.

O impacto negativo maior entre os informais era esperado. Apesar dos incentivos para a formalização por meio das MEIs, o país ainda tem uma forte presença de trabalhadores informais. Esse tipo de negócio também tem um papel muito importante para a atividade econômica: gera rendimentos, contribui para a economia com a venda de bens, prestação de serviços e geração de consumo.

Contudo, a informalidade também tem seu lado negativo. Pelo fato desses empreendedores não serem formalizados, eles ficam descobertos de garantias institucionais que ajudam a manter o negócio aberto em situações extremas, como uma pandemia. Ou seja, eles também são os primeiros a sair do mercado em contextos de crise.

Quando falamos de empreendedores formalizados, ou seja, aqueles com um CNPJ, observa-se uma forte tendência de crescimento, que inclusive bateu recorde em 2020.

De acordo com dados da Receita Federal analisados pelo SEBRAE de variação anual do número de MEIs (Gráfico 2), o número de microempreendedores individuais no Brasil aumentou na faixa de 1,8 milhão em 2020.

O efeito nas mulheres

Aprofundando o olhar da crise para o recorte de gênero, os dados do IBGE mostram que o impacto da pandemia sobre as mulheres empreendedoras foi ainda maior do que sobre os homens, como mostra o Gráfico 3.

No período mais agudo da pandemia, no segundo trimestre de 2020, o número de mulheres empreendedoras caiu 15%, enquanto a queda entre os homens foi de 10%. O perfil médio das pessoas mais afetadas é predominantemente constituído por mulheres negras, pessoas com até 34 anos, sem instrução e sem CNPJ.

Antes da pandemia, ainda de acordo com o IBGE, as mulheres já dedicavam 10,4 horas a mais do que os homens por semana às atividades domésticas. Com o fechamento de creches e a restrição de circulação, uma hipótese é a de que tenha recaído sobre as mulheres o aumento do tempo dedicado ao cuidado de crianças, idosos e familiares com problemas de saúde.

Evolução do empreendedorismo

As condições de mercado desfavoráveis são um fator decisivo para o abandono da atividade empreendedora. Segundo a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM 2020), conduzida pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP), houve uma saída maior de mulheres da atividade (Gráfico 5), em especial aquelas que já tinham um negócio há mais tempo (Gráfico 4).

Novos negócios por necessidade

Entre as empreendedoras nascentes (com até 3 meses de operação e/ou que ainda não têm seu próprio negócio, mas nos últimos 12 meses realizou alguma ação visando ter um) subiu 49% o número de negócios que são liderados por mulheres, de acordo com dados do GEM 2020. Na mesma base de comparação, o aumento dos empreendimentos chefiados por homens foi de 7% (Gráfico 5).

Entre os empreendedores nascentes, com até três meses de atividade, houve uma entrada de pessoas mais jovens. Vale destacar que essas pessoas têm menos tempo de experiência, são de baixa renda e têm menos escolaridade, como mostra o Gráfico 5.

Tudo isso indica que, em momentos menos promissores da economia, as mulheres ingressam no empreendedorismo por necessidade, e não como uma escolha de trajetória profissional, como mostra um estudo do SEBRAE de 2019.

Impacto nas finanças

Construir um negócio sólido do ponto de vista financeiro é o objetivo de qualquer empreendedor, mas, no Brasil, homens já partem de um patamar mais alto e têm condições financeiras mais adequadas para fazer isso acontecer. Afinal, os dados mostram que eles são mais bem remunerados do que elas: segundo o IBGE, em 2019 os homens tinham salários quase 30% maiores do que os das mulheres.

Na vida empreendedora não é muito diferente. O Gráfico 6 mostra que, desde o início da série, homens empreendedores que são clientes do Nubank e têm conta PJ obtêm uma receita média 16,2% maior do que as mulheres. Em 2020 essa diferença era de 10,8%, e apenas nos sete primeiros meses de 2021 já saltou para 23%. Ou seja: além de terem uma receita maior, a distância entre as receitas de empresas geridas por homens e por mulheres tem crescido durante a pandemia, aumentando a desigualdade de renda entre os gêneros.

As pesquisas do SEBRAE mostram um dado que pode até parecer contraditório em um primeiro momento, mas que se mostra coerente quando aprofundamos o estudo sobre o comportamento das mulheres: durante a pandemia as empreendedoras buscaram menos crédito do que os homens.

Posto isso, é necessário avaliar que a busca de mulheres por crédito é menor não porque elas precisem menos, mas porque elas possuem negócios mais recentes (Gráfico 5) e, portanto, com menos histórico. Esses fatores, em conjunto, dificultam a conquista de crédito no mercado e podem inibir as mulheres de sequer tentar.

É importante observar que foram consideradas todas as categorias de pequenas empresas para a pesquisa do SEBRAE: Microempreendedor Individual (MEI); Microempresa (ME) e Empresa de Pequeno Porte (EPP).

Entre os negócios que já solicitaram empréstimo bancário, os homens lideram: 53% deles já pediu empréstimo, ante 47% delas, como mostra o Gráfico 7.

Apesar de mulheres empreendedoras solicitarem empréstimos com menos frequência, a proporção de aprovação entre as que pediram foi maior quando comparado aos homens, como pode ser observado no Gráfico 8.

Comércio online

Para faturar é necessário vender. Como as pequenas empresas encontraram meios de comercializar seus produtos e serviços em meio às restrições da crise sanitária?

A pandemia trouxe outros desafios além da instabilidade financeira e do desemprego. Restrições de circulação para prevenir a disseminação do vírus levaram muitos consumidores a privilegiar as compras online.

Os dados do SEBRAE (Gráfico 9) mostram que as empresas comandadas por mulheres responderam ligeiramente mais rápido a essa nova realidade do varejo. Afinal, 72% das empreendedoras concentram suas vendas no ambiente online, enquanto 64% dos homens MEIs fazem o mesmo – uma diferença de 8 pontos percentuais.

Acompanhando essa tendência, também são as mulheres empreendedoras que proporcionalmente vendem mais online do que os homens – considerando apenas os negócios que comercializam produtos e serviços pelas redes sociais (Gráfico 10).

A maior participação nas vendas online, contudo, ainda não é suficiente para aumentar a rentabilidade dos negócios liderados por mulheres, que faturam menos em comparação com os dos homens. E essa baixa rentabilidade traz impactos negativos do ponto de vista financeiro do negócio.

E por que elas concentram mais as vendas nos meios online quando comparadas aos homens? A principal hipótese é de que seja uma resposta à tripla jornada de trabalho e à flexibilidade de horários por meio dessa modalidade de vendas. Mas isso já é assunto para uma próxima edição do Data Nubank. Outro aspecto que deve colaborar para a maior inserção digital das mulheres empreendedoras é a sua maior escolaridade média, quando comparadas aos homens empreendedores.

Quem mais economiza e quem mais resgata?

Ao analisar mais a fundo os dados do Nubank, é possível perceber uma grande diferença entre os gêneros no uso da função Guardar Dinheiro – considerando clientes MEI que também possuem conta de Pessoa Física no Nubank, já que a funcionalidade ainda não está disponível para clientes PJ.

Essa diferença, assim como a de receita, também só tem crescido na pandemia. Conforme representado no Gráfico 11, em 2019 os homens poupavam 17,2% a mais que as mulheres. Já em junho de 2021, o percentual saltou para 47,6% – mais do que o dobro do número anterior.

Por dedução, ao faturarem mais, a tendência é de que homens guardem mais dinheiro. O que chama atenção não é o fato deles fazerem mais uso dessa função, mas um aumento tão significativo dessa distância entre os gêneros durante o período da pandemia.

A reserva financeira pode ser fundamental em situações extremas, como o momento de crise atual, e pode ser a diferença entre a sobrevivência ou o fim do negócio.

O Gráfico 12 ilustra as retiradas na função Guardar Dinheiro, o que mostra a desigualdade entre gêneros. Desde o começo da série, a diferença nas retiradas tem apresentado uma tendência de crescimento. Ou seja, homens têm resgatado mais dinheiro de suas reservas financeiras do que mulheres.

Em maio de 2019, pré-pandemia, os homens retiravam valores 32,6% superiores às mulheres. Esse número saltou para 47,6% em junho de 2021. É possível interpretar esses números como uma consequência do impacto da crise sanitária nesses microempreendedores. Isso quer dizer que, como os homens tinham mais recursos para socorrer os seus negócios, eles também usaram mais esse dinheiro para suavizar os efeitos negativos da crise.

Como consequência, é possível supor, também, que os empreendimentos chefiados por homens têm maior probabilidade de sobreviver do que os das mulheres, graças a essa reserva mais robusta para casos de emergência.

As diferenças no perfil de investimento

Quando observado o perfil de risco de empreendedores que são clientes da NuInvest, a plataforma de investimentos do Nubank, ficam nítidas as diferenças no comportamento entre gêneros.

Como representado no Gráfico 13, em 2019, 20,1% das mulheres MEIs eram consideradas conservadoras ao investir. Já entre os homens, apenas 10,2% apresentavam esse perfil.

Ao longo da crise provocada pela pandemia houve uma mudança no perfil de risco em direção a um perfil mais conservador. Ou seja, de acordo com a metodologia de Suitability, diminuiu, para ambos os gêneros, a tendência de fazer investimentos mais arriscados.

Percentualmente, o crescimento do número de homens empreendedores com perfil de investimento conservador foi maior (apesar de eles ainda serem menos representativos entre os conservadores).

Em 2021, a porcentagem de mulheres com perfil de investimento conservador subiu de 20,1% para 21,5%, enquanto o deles saltou de 10,2% para 15,1%.

A composição total dos clientes, sejam homens ou mulheres, tem caminhado para um perfil mais conservador. Este dado pode ser interpretado como uma tentativa de proteger as economias diante da instabilidade econômica causada pela pandemia. Ou seja, as pessoas em geral buscaram investimentos mais seguros e arriscaram menos no período de incerteza.

Também no Gráfico 13 é possível observar o nível de experiência de investimento entre homens e mulheres. Em 2019, 38,1% dos homens eram considerados experientes, enquanto apenas 21,5% das mulheres estavam neste mesmo patamar. Em 2021, o percentual de mulheres experientes caiu para 20,9%. A redução entre os homens foi menos significativa, já que, neste ano, 37,9% passaram a ser considerados experientes.

O Gráfico 14 mostra os quatro investimentos preferidos entre os empreendedores, divididos por gêneros. Em 2019, 45,2% das mulheres investiam no Tesouro Direto, que é considerado um investimento de baixo risco. Em 2020, o número caiu para 36,6%, e em 2021 diminuiu para 23,6%, o que representa uma queda total de 21% de 2019 a 2021.

Vale destacar que a queda absoluta entre os homens foi ainda maior, mas é importante lembrar que eles também apresentam um perfil de investimento menos conservador. Ao observarmos, por exemplo, as aplicações de maior risco, como renda variável, houve um crescimento no número de investidores homens nesse tipo de produto – mesmo com o agravamento da Covid-19 entre 2020 e 2021.

Em 2019, mais de 20% deles investiam em renda variável. O percentual saltou para 35,9% em 2020 e chegou a 40,4% em 2021. O aumento, portanto, é de cerca de 19% no período total.

O resultado é surpreendente, já que, em um momento como esse, era esperado que o comportamento dos investidores fosse no sentido de migrar para ativos de menor risco. Ainda mais quando consideramos os dados do Suitability, demonstrados acima, que evidenciaram o crescimento do perfil conservador entre os homens.

Instabilidade na renda de homens e mulheres MEIs

Como já foi evidenciado neste estudo, existe uma diferença de renda entre homens e mulheres empreendedoras. No entanto, os dados indicam pouca diferença na volatilidade de renda entre gêneros.

A volatilidade na renda nada mais é do que a variação da renda no período analisado. Se uma pessoa ganha em um mês R$ 1 mil, no seguinte R$ 3 mil, e no próximo volta a R$ 1 mil, por exemplo, pode-se dizer que ela tem uma renda volátil, algo comum entre empreendedores individuais pelas incertezas das vendas.

Homens MEIs parecem ter um pouco mais de instabilidade de renda do que mulheres MEIs, como demonstrado no Gráfico 15.

Em uma análise da renda de clientes da conta PJ do Nubank, eles foram divididos em 5 faixas de rendimentos. Em cada um desses grupos foi calculada a volatilidade média de renda, que é a oscilação entre as entradas em dinheiro desses clientes, quando comparada à renda média dos clientes PJ.

No gráfico, é possível perceber que a volatilidade de renda média dos homens MEIs é levemente superior à das mulheres. O que chama mais atenção no gráfico, no entanto, é que na menor faixa de renda, a faixa 1, a volatilidade do grupo é maior do que das demais faixas. Ou seja, as pessoas com menor renda também sofrem com maior incerteza.

Essa informação não é exatamente inesperada, quando comparamos esses dados com os da PNAD Contínua do IBGE, que permitem acompanhar o mesmo grupo de pessoas ao longo dos anos. Segundo o IBGE, a variação de renda entre as famílias mais pobres é quatro vezes maior do que entre as ricas em um período de um ano.