Inflação alta nos Estados Unidos, guerra no leste europeu, economia chinesa mais lenta. Tudo isso parece muito distante da sua realidade, mas a verdade é que, em muitos casos, o que acontece na economia global afeta diretamente o seu bolso por aqui.
A empresa onde você trabalha, os preços de produtos e serviços que você consome, a sua renda, os juros do financiamento da sua casa e até o rendimento daquele dinheirinho que está investido sentem os efeitos do que acontece a milhares de quilômetros de distância.
Isso porque o Brasil não está isolado. Ele faz parte de uma grande teia de relações comerciais e políticas com outros países. Entenda como essas relações interferem na sua vida e no seu bolso.
Por que você sente aqui o que acontece em outros países?
Por causa da globalização. Hoje, o mundo está conectado, dentre outras coisas, pelo comércio internacional. Empresas de países diferentes compram e vendem entre elas o tempo todo, e qualquer alteração na procura ou na oferta de produtos nesse grande supermercado global afeta todo mundo, inclusive o Brasil.
Imagine que um país que produz muito trigo, por exemplo, passa por algum problema que afete essa produção. Pode ser uma greve, um conflito, até um imprevisto climático. Ao produzir menos, esse país coloca uma quantidade menor de trigo na prateleira do mundo. Ou seja, ele reduz a oferta.
Se tem menos trigo à venda, mas a procura por ele continua alta, você já sabe o que acontece: o preço sobe, e os países que não conseguem bancar esse aumento compram menos ou até deixam de comprar.
Efeito dominó da economia global
E aí não tem como escapar do efeito dominó. Menos trigo entrando num país afeta a oferta interna, o preço sobe e é repassado para a indústria.
Se o país decide comprar o trigo mais caro mesmo, os efeitos também são sentidos. Trigo mais caro aumenta o custo da produção de outros produtos, como o pãozinho e o macarrão, por exemplo. O preço sobe de novo, e essa alta vai para os atacadistas e supermercados.
Em outras palavras, é repasse atrás de repasse até chegar na ponta dessa cadeia: você, que vai saindo do supermercado com a sacola cada vez mais vazia.
Esse é só um exemplo simples para mostrar que o que acontece num lugar afeta mais o seu bolso do que você imagina. Mas dependendo do produto e do país, o efeito dominó pode ser ainda mais prolongado e mais intenso.
Como assim?
No mercado internacional, existem alguns produtos que são considerados mais importantes que outros, por serem básicos e matéria-prima para a produção de outros itens. Eles são chamados de commodities, são mercadorias em estado bruto, como carnes, frutas, grãos, minério de ferro, petróleo… a lista é grande.
Por serem itens essenciais, qualquer alteração na oferta ou na demanda deles mexe com o preço, para cima ou para baixo.
Nesse mercado, os compradores também têm papel importante. Quando um país exporta ou importa muito, ele fica mais exposto ao que acontece em outros lugares.
Como fica o Brasil na economia global?
O Brasil, por exemplo, faz negócios com países de todas as regiões do mundo, segundo dados do Ministério da Economia. De todos os produtos que o país vendeu de janeiro a agosto de 2022, soja e petróleo bruto lideraram a lista. Já os fertilizantes, combustíveis e peças foram os bens mais comprados pelo Brasil de outros países no mesmo período.
Por se relacionar com tantos mercados, o país sente muito os efeitos do que acontece no mundo, como explica José Castro, analista de Investimentos do Nubank.
“Sim, a economia global impacta o Brasil e afeta a vida dos brasileiros. Se uma economia global está passando por momentos desafiadores, o país pode sofrer de diversas formas. Por exemplo: nossos produtores e empresas vendem menos no exterior, importar produtos de fora pode ficar mais difícil e caro, e como a nossa indústria ainda importa muito, todo esse cenário vai prejudicar o crescimento das empresas e desacelerar, por tabela, a nossa economia.”
José Castro
Mas o Brasil sente tudo o que acontece no mundo?
Não é exatamente tudo o que acontece na economia global que você sente. Os efeitos de outros países dependem da relação deles com o Brasil. Quanto mais próxima é essa relação, maiores são os impactos.
Os Estados Unidos e a China, por exemplo, são os principais parceiros comerciais do Brasil. Em 2021, mais de 11% do que foi produzido por aqui foi vendido para os Estados Unidos e quase um terço foi para a China. O Brasil também compra muito deles: quase 40% dos produtos importados vieram desses dois países.
Ou seja: quando os ponteiros se movem nos Estados Unidos e na China, as chances de você sentir essa onda são bem altas. E esses ponteiros não têm dado sossego em 2022.
Por que China e Estados Unidos preocupam o Brasil?
Porque a economia desses dois países não está tão forte em 2022. A economia chinesa, por exemplo, cresceu apenas 0,4% no segundo trimestre deste ano – esse foi o pior desempenho do país desde 1992. Já o PIB dos Estados Unidos teve uma queda de 0,6%, depois de já ter tido um recuo de 1,6% no primeiro trimestre.
Uma economia mais fraca tem menos dinheiro para gastar. Quando seu orçamento está apertado, você faz alguns ajustes para pagar as contas e comprar o que precisa, certo? Com os países não é muito diferente: com pouco dinheiro em caixa, eles priorizam as contas e as compras, e negociam preços melhores no mercado internacional.
Nesse cenário, a China e os Estados Unidos podem diminuir as compras que fazem do Brasil. Como os dois países são os principais parceiros comerciais do país, qualquer perspectiva negativa lá pode resultar em menos dinheiro no caixa por aqui.
O que pode acontecer no Brasil se a economia global subir ou cair?
Segundo José Castro, os efeitos de um crescimento ou aceleração da economia global no Brasil vão além dos preços que você vê no supermercado.
“Se há um crescimento global, isso significa que os países vão consumir mais produtos e serviços, e o Brasil acaba aumentando as suas exportações, principalmente de commodities agrícolas, metais e petróleo. Ou seja, o país vende mais, as empresas aumentam seus faturamentos, geram mais empregos e aumenta a renda do trabalhador. O governo também arrecada mais impostos. Por outro lado, se entrarmos em uma desaceleração global, podemos ter o efeito contrário”, explica.
Ainda que China e Estados Unidos não tivessem uma participação alta nas importações e exportações, o Brasil continuaria sentindo os efeitos da desaceleração desses países. É que economias fortes afetam todas as outras. E Estados Unidos e China são as duas maiores economias do mundo. Tudo o que acontece lá, cria uma onda que chega em todos os lugares.
É só o comércio internacional que entra nessa conta?
Não. A oferta e a demanda de produtos no mercado global é reflexo do que está acontecendo em cada lugar. Um exemplo prático e recente é o da guerra na Ucrânia. O país é o quarto exportador de grãos do mundo.
Quando ele foi invadido pela Rússia, em fevereiro de 2022, demorou pouco tempo para que o mundo sentisse falta desses grãos no mercado. Os preços subiram e contribuíram para a alta da inflação em vários países, inclusive o Brasil.
Mas não é preciso uma guerra para afetar a produção ou a capacidade de compra de um país. O clima e as mudanças de regras internas também contribuem. Uma seca muito forte, por exemplo, pode reduzir a produção de alguma commodity. Mudanças nas contas públicas ou numa regra interna importante podem impactar a capacidade de um país de importar bens.
Taxa de juros dos países é o indicador mais importante
O nível de juros também influencia. Uma taxa alta deixa empréstimos mais caros. Fica mais difícil para as empresas contratarem linhas de financiamento para comprar materiais e insumos no mercado global, ou mesmo para aumentar a produção, como explica José Castro.
“Os mercados se movem em torno da taxa de juros. Existem vários motivos para isso, mas como exemplo prático: os juros altos inibem o consumo e por consequência reduzem a atividade econômica e isso impacta o crescimento, ou seja, o PIB.”
José Castro
Esse aumento de juros em economias fortes, que exportam e importam muito, gera um impacto ainda maior em outros países. É o que acontece hoje nos Estados Unidos, por exemplo.
A inflação norte-americana já está em quase 10% em um ano e, assim como acontece no Brasil, o banco central de lá está usando a taxa de juros para tentar controlar o aumento de preços. Em julho, os juros dos Estados Unidos subiram pela quarta vez seguida, para um intervalo de 2,25% a 2,5% ao ano.
Fuga de investidores
Juros mais altos lá provocam uma saída de investidores de países emergentes, como é o caso do Brasil.
“Os juros mais altos na maior economia do mundo faz com que a gente tenha uma fuga de capital. Você tem uma saída de capital desses países considerados mais arriscados para países de economias mais estáveis e consolidadas, como os Estados Unidos, porque lá você vai ter uma taxa mais atrativa com uma segurança maior, ou seja, um risco menor”, explica José Castro.
Olha o efeito dominó de novo: quando investidores decidem tirar dinheiro do Brasil, eles tiram dólares da economia. Oferta menor de dólar no mercado interno faz a moeda norte-americana se valorizar em relação ao real.
O dólar mais caro faz as empresas brasileiras pagarem uma conta maior nas compras no mercado internacional. Ou seja, ainda que elas recebam em dólar, caso vendam produtos, elas também pagam em dólar na hora de comprar.
Fofoca global: como rumores de outros países também afetam sua vida por aqui?
Às vezes não precisa nem de um fato concreto para sentir o baque. Até mesmo rumores podem ter um impacto no país, porque eles mexem com um dos ingredientes mais importantes e menos palpáveis da economia: a expectativa.
Se há projeções de que o mundo pode entrar em recessão, por exemplo, empresas e investidores ficam mais receosos e evitam fazer novos investimentos, contratar pessoas, produzir mais. Num cenário assim, fica difícil fazer planos no curto prazo.
Como se blindar de tudo isso? Não tem como evitar os efeitos da economia global na sua vida, mas acompanhar o que está acontecendo ajuda a entender as ondas que podem chegar para, assim, você mudar a rota dos seus planos se necessário.
Tem muita coisa acontecendo no mundo ao mesmo tempo, e é muito difícil acompanhar tudo. Por isso, ficar mais de olho nos rumos das maiores economias de países como Estados Unidos e China pode ser um bom termômetro para entender para que lado a onda está indo. Afinal, em algum momento, essa onda vai chegar no Brasil.
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