De repente, você percebe que todo o dinheiro que estava economizando evaporou e ainda descobre que foram os seus filhos que zeraram a sua conta. A cena parece improvável, mas aconteceu de verdade. Na China, uma adolescente de 13 anos gastou toda a reserva da mãe, de US$ 64 mil, em jogos online. O caso viralizou e mostra como a ausência da educação financeira para jovens pode prejudicar toda a família.
Segundo o site de notícias norte-americano Business Insider, a adolescente conectou o cartão de débito da mãe ao próprio celular e foi usando. Ela disse que não sabia de onde vinha o dinheiro e nem quanto havia gastado. A mãe da jovem soube do rombo quando checou a conta após ser alertada pela professora da adolescente, que percebeu que a jovem poderia estar viciada em jogos.
Essa história é um exemplo de como adolescentes podem iniciar a fase adulta já com problemas financeiros – uma realidade que não está tão distante do Brasil. Jovens com idade de 18 a 25 anos representam 12,2% dos inadimplentes do país, segundo dados de agosto de 2023 da Serasa. Mas esse número já foi maior: há um ano, em agosto de 2022, eles eram 12,6% dos inadimplentes do país.
Os efeitos da educação financeira para jovens
Esse quadro pode ser bem diferente no futuro, se a educação financeira para jovens for aplicada em conjunto pelas famílias e escolas, e ainda pode trazer outros impactos positivos na vida adulta, segundo Cássia D’Aquino, psicanalista e consultora financeira internacional para criação e desenvolvimento de programas de educação financeira.
“Um adolescente que tenha sido levado a compreender os limites em relação ao dinheiro desde a infância, tende a ser um estudante melhor e menos interessado no uso de drogas e álcool, porque ele vai aprendendo a habilidade de negociar os próprios desejos desde pequeno”, diz.
A psicanalista e consultora ainda esclarece sobre as complicações para educar financeiramente alguém nessa fase da vida. “A adolescência não é a fase de ouro para iniciar a educação financeira, porque é um período de embate e muita tensão com os pais, com o mundo e com eles mesmos, mas é possível. E quanto mais cedo, mais fácil será.”
Da educação financeira infantil para a educação financeira para jovens: os desafios de falar com adolescentes
Na educação financeira infantil, as brincadeiras e a interação com as atividades da rotina dos pais são ferramentas importantes que ajudam no ensino das primeiras lições financeiras. Na adolescência, a vantagem é que há maior compreensão sobre conceitos mais complexos.
Por outro lado, diferentemente da infância, em que os pais têm total controle sobre o consumo dos filhos, na adolescência esse comportamento não é mais pautado pelo o que é dito em casa, mas no que esse jovem encontra nas redes sociais e nos códigos de conduta dos grupos aos quais ele quer pertencer. Além disso, há o fator da relutância natural dessa fase, que pode jogar contra os pais.
Entenda, abaixo, os fatores que afetam a educação financeira para jovens e as estratégias para usar esses desafios a favor dos pais.
Fase de conflitos dificulta conversas
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a adolescência começa aos 10 anos de idade e vai até os 19. Nesta fase, diz a OMS, os adolescentes experimentam um rápido crescimento físico, cognitivo e psicossocial. Isso afeta como eles sentem, pensam, tomam decisões e interagem com o mundo ao seu redor. Eles sabem que não são mais crianças, mas não conseguem se reconhecer como adultos. Como são muitas mudanças acontecendo ao mesmo tempo, eles enfrentam conflitos internos e externos constantemente.
É por isso que os adolescentes tendem a contrariar qualquer figura de autoridade, como pais e professores, por exemplo – o que pode dificultar conversas efetivas sobre qualquer tema, inclusive sobre dinheiro.
“Há um aguçamento das tensões e é comum que os pais lidem com isso liberando mais dinheiro para os filhos, na tentativa de agradar, ou punindo o comportamento, inibindo o consumo ou cortando o dinheiro, como um castigo. As duas respostas são muito emocionais e é de se desejar que, como adultos, a gente tenha alguma capacidade de sermos mais cuidadosos na relação com os adolescentes no que diz respeito ao dinheiro”, explica D’Aquino.
Vontade de pertencer a um grupo pode custar caro
Segundo a psicanalista, a ideia de consumir para se ajustar ao coletivo já começa a se desenvolver a partir dos 9 anos de idade. À medida que essas crianças se tornam adolescentes, elas começam a compartilhar signos que as identifiquem como parte de determinado grupo. Esses signos podem ser um equipamento eletrônico, um tênis, uma roupa específica, e podem custar muito caro – um desafio a mais para os pais.
Redes sociais e influenciadores pautam desejos
Outro fator que pesa na educação financeira dos jovens é a constante influência das redes sociais nos desejos desses adolescentes. Como ainda estão em formação e buscam a própria identidade, os adolescentes sentem uma necessidade de ter os produtos e serviços consumidos por pessoas que eles admiram.
“A criança é mais vulnerável ao marketing, mas os pais conseguem limitar os acessos. Por outro lado, o adolescente tem acesso quase que irrestrito a todo tipo de material, linguagem e ferramenta. E um dos grandes problemas é que muito desse conteúdo mostra ganhos sem esforço – o que é bem diferente da vida real”, afirma Ahmed El Khatib, coordenador do Instituto de Finanças da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado).
Dificuldade dos próprios pais de lidar com dinheiro
A educação financeira para jovens só acontece se os pais se envolverem com o tema, segundo especialistas. Mas iniciar esse diálogo fica ainda mais difícil se a própria família tiver dificuldade de lidar com dinheiro.
“Boa parte da população tem baixa alfabetização financeira, e isso independe de classe social. Falar sobre algo que você não sabe é muito difícil. E isso acontece até mesmo nas escolas. O problema é que não falar traz implicações ainda maiores na saúde, nos relacionamentos e no comportamento futuro desses adolescentes. Várias pesquisas já mostram que jovens de 15 a 17 anos têm alguns bloqueios de comportamento por causa das brigas dos pais sobre dinheiro. Essa tensão afeta o bem-estar emocional dos pais e dos filhos”, explica El Khatib.
Visão equivocada sobre dinheiro complica o assunto
Para D’Aquino, as pessoas, de forma geral, têm uma ideia errada sobre dinheiro. “A maior parte das pessoas acaba criando inibições desnecessárias que só complicam o assunto. É comum, por exemplo, a associação do dinheiro com matemática, o que é uma bobagem. Há uma tendência de achar que educação financeira é um bicho muito complicado do que realmente é, mas lidar com dinheiro se resume a princípios básicos”, diz.
E os princípios básicos, lembra, se resumem a gastar menos do que se ganha, ter metas de curto, médio e longo prazo, e investir com frequência.
Além disso, há ainda questões culturais. “Freud já dizia que é mais dificil falar sobre dinheiro do que sobre sexo. Tem gente que compreende que falar o salário é quase uma falta de educação. Ainda é um assunto tabu”, considera a psicanalista.
Ferramentas e estratégias que ajudam na educação financeira dos jovens
Diante de tantos desafios, como iniciar a educação financeira para jovens? Parte das estratégias envolve justamente quebrar alguns mitos, como aquele que diz que os pais precisam saber economia ou matemática para falar sobre o assunto com os filhos; e também usar as características dos adolescentes a seu favor.
“Esses jovens são muito imediatistas e conectados com a mídias sociais. Para falar sobre dinheiro com eles, é preciso usar as ferramentas que eles usam, mas também possibilitar o acesso a bons exemplos sobre o uso do dinheiro”, afirma El Khatib, da Fecap.
Abaixo, confira algumas sugestões de estratégias que você pode experimentar com os seus filhos adolescentes para iniciar uma conversa sobre dinheiro.
Mostrar que você entende a necessidade dos seus filhos pode abrir uma porta para a negociação dessas vontades
Sim, a necessidade dos adolescentes de pertencer a um grupo pode custar caro, mas os especialistas não recomendam que os pais julguem esses desejos. Afinal, eles fazem parte do desenvolvimento de qualquer pessoa. A recomendação não é punir a vontade do consumo, mas mostrar que essa vontade é válida, natural e respeitada pelos pais. Contudo, a recomendação é deixar claro que não é possível ter tudo.
“Desmerecer esses desejos é bobagem mas, às vezes, esses itens são tão caros que não fazem sentido para a família. É importante que esse adolescente perceba que os pais entendem o quanto aquilo é importante para ele, mas não se deve dar tudo, mesmo que seja possível. Então, o caminho é negociar para não atropelar o orçamento da família por causa disso”, explica D’Aquino.
Aproveitar o senso crítico característico desta fase pode fazer seus filhos enxergarem os influenciadores com mais cautela
Aquela característica reclamona e crítica de muitos adolescentes pode ser usada a favor dos pais, principalmente quando o assunto é abordar que nem tudo o que aquele influenciador está mostrando faz de fato parte da vida dele.
“É estimular o senso crítico do adolescente e questioná-lo. Ele realmente acha que aquele influenciador usa aquele produto ou quer que seu filho acredite nisso? É preciso lembrá-lo que há interesses por trás dessa exposição”, sugere D’Aquino.
A característica de “sabe tudo” pode ser ferramenta para iniciar uma conversa
Assistir ao noticiário com os seus filhos ou comentar alguma notícia que você leu em algum site, ou em alguma rede social – como aquela sobre a adolescente da China –, pode iniciar uma conversa sobre educação financeira para jovens. Aqui, contudo, a estratégia não é comentar o que você acha ou a solução mais correta, mas questionar, pedir a opinião do adolescente sobre o assunto. Ao fazer isso, os pais empoderam seus filhos. Eles sentem que o que eles têm a dizer é importante e válido.
“O adolescente quer ser percebido como gente, como esse adulto em formação. Então, ele tem opinião sobre tudo, sente que sabe tudo e não tem dúvida de nada. Podemos aproveitar esse momento para pedir a opinião dele. É soltar uma pergunta mesmo, para iniciar essa conversa. É uma chance de abrir espaço para esse tema”, recomenda D’Aquino.
Outra estratégia é pedir ajuda para os adolescentes, como para encontrar um site de finanças ou um canal de YouTube confiável; ou para mexer em algum simulador de investimentos ou de aposentadoria. “Esse pedido de socorro dos pais pode chamar a atenção do adolescente para o conteúdo pesquisado de tal maneira que desperte algum interesse dele nesse universo”, explica a psicanalista.
Chamar a atenção para as ferramentas tecnológicas primeiro pode gerar o interesse pelo assunto depois
Os adolescentes já têm um interesse natural por ferramentas tecnológicas. Uma sugestão é usá-las como primeiro ponto de interesse para, depois, chegar a educação financeira para jovens. Ou seja, chamar a atenção para a ferramenta em si e como ela pode ser divertida ou garantir alguma vantagem em relação aos pais. Os aprendizados financeiros que essas ferramentas vão gerar não entram como o foco dessa conversa num primeiro momento.
Por exemplo: um jogo de finanças pode ser apresentado como apenas uma atividade divertida em família. O tema em si é secundário. Um simulador de investimentos gamificado pode ser apresentado como uma competição entre amigos, por exemplo. A dinâmica do mercado financeiro entra em um segundo momento.
Apesar de serem interessantes, essas ferramentas não são obrigatórias, segundo Cássia D’Aquino. Ela afirma que os pais não precisam se preocupar em oferecer jogos ou tecnologia para despertar o interesse dos adolescentes pela educação financeira para jovens.
“É importante lembrar que muitas dessas ferramentas são construídas por adultos que idealizam o pensamento do adolescente, que acham que os adolescentes funcionam de determinada maneira. Não precisa complicar. O importante é partir de algo concreto”, diz a psicanalista.
Abrir uma conta digital para o adolescente pode ajudar a criar o senso de orçamento
As contas digitais permitem que os adolescentes iniciem sua jornada financeira sob a supervisão da família. Em primeiro lugar, elas são abertas pelos pais, caso o jovem tenha menos de 18 anos, e costumam não ter produtos de crédito, como cheque especial e empréstimos. Por outro lado, elas oferecem ferramentas de transferências, pagamentos, oferecem cartão de débito e podem também apresentar algumas opções básicas de investimentos – produtos que já iniciam os adolescentes no mundo do dinheiro.
Com essas ferramentas, eles já começam a entender sobre fluxo do dinheiro e limites de gastos. “As contas estimulam esse gerenciamento do dinheiro, iniciam esse adolescente na relação com uma instituição bancária e permitem que ele mesmo tome decisões financeiras. Também pode ser o primeiro contato dele no mundo dos investimentos, com possibilidades de simulações”, diz El Khatib, da Fecap.
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A mesada pode ensinar sobre gestão financeira, limites de consumo e metas
De acordo com uma pesquisa da Serasa, 39% dos pais ouvidos costumam dar mesada aos filhos. Entre eles, 62% afirmam que dão um valor médio mensal de R$ 100. Para os especialistas, para quem pode bancar essa estratégia, dar mesada é uma das melhores ferramentas para ensinar sobre gestão financeira, limites de consumo e construção de metas.
Antes, porém, é preciso criar regras claras, segundo El Khatib, da Fecap. Ele explica, por exemplo, que a partir do momento que os pais dão uma mesada, a recomendação é evitar dar mais dinheiro em momentos diferentes do mês. Além disso, é importante não variar o valor ou os dias de pagamento. Quando o adolescente recebe sempre o mesmo valor e no mesmo dia do mês, ele começa a criar a capacidade de planejamento e de espera.
O que fazer com os valores recebidos além da mesada?
Valores extras recebidos de terceiros, como tios e avós, por exemplo, não precisam ser vetados. Mas os pais podem estimular os filhos a guardarem para um plano futuro. Os pais também podem criar regras para pagamentos extras feitos por eles, como em aniversários ou outras datas comemorativas, e ainda por tarefas extraordinárias. Um lembrete importante é que tarefas e atividades que fazem parte da rotina dos adolescentes ou que são obrigações deles não devem ser premiadas, como o bom desempenho escolar, a limpeza do quarto etc.
“Para os pais que queiram usar esse instrumento, a mesada ajuda no desenvolvimento de objetivos de curto prazo, na capacidade de fazer escolhas, de priorizar vontades, de compreender que dinheiro é um recurso escasso e que orçamentos são móveis, que mudam de acordo com os nossos objetivos. A mesada também é ferramenta para falar sobre doação. Não adianta ensinar os adolescentes a se tornarem poupadoras se eles não compreenderem que o ganho e o gasto precisam ser regidos pela ética”, considera D’Aquino.
Quer saber mais sobre como e quando dar mesada? Ouça o podcast abaixo:
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