Conhece a expressão “Maria vai com as outras”? Ela se refere a pessoas que repetem o comportamento de um grupo – e não é considerada um elogio. O efeito manada costuma estar relacionado a quem seria considerado imaturo e “sem personalidade”. Essa relação, contudo, é um dos maiores erros quando se trata desse comportamento.
Isso porque, não importa a sua idade e nem o seu grau de escolaridade, você já seguiu a manada em algum momento e ainda vai fazer isso ao longo da vida. É só pensar nas vezes em que foi a alguma festa, que nem queria tanto, só porque todos os seus amigos estariam lá. Ou quando comprou algum item porque um determinado grupo estava comprando, ou maratonou uma série só porque estava na lista dos mais assistidos.
São muitos os exemplos de efeito manada na nossa rotina e eles não têm nada a ver com falta de personalidade ou imaturidade. Entenda, abaixo, como funciona esse comportamento.
O que é efeito manada, então?
É justamente essa tendência de seguir outras pessoas em qualquer tipo de decisão, das pequenas do dia a dia, como no caso da festa, às maiores, como investir milhares de reais em algum ativo só porque muita gente está fazendo o mesmo.
“Muitas vezes a gente acha que é falta de inteligência e entendimento, mas, na verdade, o efeito manada é um atalho mental do nosso cérebro para não gastar tanta energia na tomada de decisão”, explica Flávia Ávila, economista comportamental e fundadora da InBehaviorLab, que estuda o impacto do comportamento na tomada de decisão.
E por que seguimos a manada?
Para sobreviver, em alguma medida. Segundo a Economia Comportamental, inspirada na Psicanálise, as pessoas buscam, basicamente, duas coisas na vida: evitar a dor (a perda) e ter mais prazer (o ganho).
Em outras palavras, grande parte das nossas decisões, principalmente as financeiras, é influenciada por esses dois fatores.
Mas eles não atuam de forma isolada. Há comportamentos que ajudam a evitar a dor e aumentam o prazer ao mesmo tempo. Acompanhar as decisões de um grupo é um deles. Ou seja, as pessoas seguem a manada porque têm medo de perder e porque acreditam que têm mais chances de ganhar. Tudo isso é inconsciente, claro. Você não pensa sobre isso na hora de seguir a manada. Na verdade, muitas vezes você sequer se dá conta de que está seguindo a manada.
Ainda tem um tempero nesse processo: ele não pode ser custoso. Essa vida sem dores e com ganhos precisa ser fácil, simples e sem muita complicação. De novo, isso não é exatamente consciente, mas é a forma como o seu cérebro funciona. Em linhas gerais, ele trabalha a maior parte do tempo tentando economizar energia. E decidir alguma coisa requer muita energia.
Em outras palavras, quando você segue a manada, além de evitar a dor de ficar sozinho e o ganho de fazer parte de um grupo, você ainda evita gastar tanta energia pensando sobre aquelas decisões.
“O efeito manada trabalha esse processo de economia de energia, de dinheiro, de tempo. Se todo mundo está fazendo é porque é bom. Não preciso pensar sobre isso. Se você perde, não perde sozinho. Se você ganha, ganha ‘fácil’, porque não gastou muita energia para conseguir e ainda se sente parte de algo”, explica Flávia Ávila.
Como o efeito manada afeta meu dinheiro?
Quando o assunto é dinheiro, o efeito manada pode fazer você perder por dois motivos, principalmente:
- Pela natureza da própria decisão, que pode estar errada;
- Por permanecer no erro.
Lembra do exemplo da festa? Ao seguir seus amigos, você gastou o dinheiro do transporte e do bar e pode nem ter se divertido tanto assim. O problema aqui é que dificilmente você racionaliza essa perda. O que te marca é o momento prazeroso em grupo com seus amigos.
Ou seja, as chances de você repetir esse erro são enormes. É nesse ponto que o efeito manada pode ser mais prejudicial para suas finanças. Você permanece no erro, seguindo o grupo, sem se dar conta das perdas.
Isso acontece porque, assim como todo comportamento, a base do efeito manada é emocional. No livro Decisões Econômicas, a psicóloga e psicanalista Vera Rita de Mello Ferreira, uma referência em Economia Comportamental no país, explica que não há pensamento sem base emocional.
Segundo ela, em grupo, e principalmente em grandes grupos, fica mais fácil alguém ter comportamentos irracionais e primitivos. Por serem basicamente emocionais e instintivos, esses comportamentos tendem a se repetir.
O que acontece nos investimentos?
Para quem investe, o risco de perder dinheiro por causa do efeito manada é ainda maior. Primeiro porque ele mexe mais fortemente com o medo de perder e com o desejo de ganhar. Dificilmente você vai encontrar alguém que não goste da ideia de ganhar muito dinheiro com “pouco esforço”. E, no mundo dos investimentos, existe muita gente vendendo essa ideia, mesmo que ela esteja completamente errada.
Além disso, existem outros atalhos mentais que reforçam o efeito manada. É o caso da dissonância cognitiva, que basicamente é a tendência de querer tudo agora. Mas há outros atalhos, como a confiança excessiva e a aversão à perda, para ficar em alguns exemplos.
Todos esses atalhos formam um cenário perfeito para o efeito manada atuar entre os investidores, principalmente os iniciantes. Isso porque investir requer estudo, mas estudar exige gasto de energia e tempo – tudo o que o cérebro “não quer”. Por isso, em investimentos, é mais fácil seguir recomendações de especialistas. O problema é que nem sempre quem se vende como especialista de fato é um.
“Quando a gente não está tão seguro com alguma coisa, normalmente olha para quem entende mais do assunto e para o que as pessoas estão fazendo. Acabo seguindo alguém que já analisou os prós e os contras, mas às vezes essa pessoa também seguiu outra, que seguiu outra, que seguiu outra e muita informação se perde no caminho”, explica a economista comportamental Flávia Ávila.
Ações: promessas de ganho fácil facilitam efeito manada
Segundo ela, o mercado de renda variável, como o de ações, é alvo fácil para os casos de efeito manada. É porque tudo o que pode ser vendido como um meio de ganhar dinheiro fácil e rápido é suscetível a esse comportamento. Investir em ações ou em outro ativo de renda variável está bem longe de ser uma forma de ganhar dinheiro fácil, mas muita gente acredita nessa narrativa.
Principalmente homens, que representam 91% das vítimas de golpes financeiros, segundo estudo da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Entre eles, 36,5% têm idade entre 30 e 39 anos, 23% têm renda familiar mensal entre dois e cinco salários mínimos, e 38% têm pós-graduação.
As criptomoedas aparecem como o principal produto dos golpes financeiros, segundo 43,3% das vítimas pesquisadas pela CVM. Em seguida, aparecem os demais mercados, como Forex (29,8%), opções binárias (16,9%) e ações (15,2%).
Os golpes são apenas uma das consequências do efeito manada. Entrar em um investimento legítimo, mas sem estudar, é outra. Um exemplo é o caso da GameStop, rede de lojas norte-americana de videogames que está indo de mal a pior. Com receita caindo ano a ano e planos de fechar lojas, a rede teve um aumento de quase 2.000% em suas ações nos Estados Unidos, em janeiro de 2021.
Isso aconteceu porque um grande grupo de pequenos investidores de um fórum online decidiu comprar as ações da empresa para desafiar os grandes investidores e analistas que apostavam contra a GameStop no mercado. No meio do caminho, muita gente seguiu a onda e também comprou os papéis da empresa sem saber o histórico dela.
Criptomoedas: fator novidade incentiva efeito manada
A ideia de ter ganhos rápidos também facilita o efeito manada com criptomoedas e incentiva os golpes. Contudo, é o fator novidade que faz muita gente colocar dinheiro nesse tipo de ativo, mesmo sem entender o que ele representa.
O FOMO (sigla em inglês para “medo de estar por fora”) não se aplica apenas às redes sociais e notícias, mas também a investimentos. Em um cenário em que muita gente fala de bitcoin e outras criptomoedas, ficar de fora gera desconforto. Lembra que, segundo a Psicologia Comportamental, o ser humano quer evitar a dor e o desconforto a todo custo?
Seguir a manada e investir em criptomoedas, mesmo sem estudo, é o caminho buscado por muitos investidores para reduzir esse desconforto inconsciente. “Dá uma certa segurança seguir o grupo. Você está arriscando, mas não está sozinho”, reforça Flávia Ávila.
E nem precisa ser um grupo, basta uma pessoa influente para iniciar ou reforçar um movimento de manada. Em 2021, a socialite Kim Kardashian promoveu, em suas redes sociais, a ethereum max, uma criptomoeda recém-criada e que não tem nada a ver com a ethereum, a segunda maior criptomoeda do mundo.
O valor da ethereum max disparou e a celebridade foi questionada pelo órgão regulador do Reino Unido. Além disso, ela responde a um processo nos Estados Unidos pela divulgação da cripto.
O empresário Elon Musk é um grande entusiasta do mundo cripto e esteve por trás de grandes casos de efeito manada, como as expressivas altas da dogecoin em 2021 ocorridas após alguns posts de Musk em uma rede social.
Mas nem precisa ser uma celebridade ou um grande empresário para iniciar um efeito manada. Segundo Flávia Ávila, existem movimentos de manada em escalas menores na internet provocados por qualquer pessoa que consiga passar a mensagem.
“O fato de uma pessoa falar bem e ser bonita, por exemplo, afeta nossas decisões de forma crítica. Fica difícil saber em que momento a gente tomou a decisão errada”, afirma.
Efeito manada também faz investidores persistirem no erro
Lembra que o efeito manada faz você perder dinheiro por te fazer tomar um caminho errado e também por persistir no erro? Em investimentos, persistir no erro pode ser ainda mais danoso.
Isso acontece porque entram em ação outros atalhos mentais, como a negação e o otimismo excessivo. Em um cenário de perda, por exemplo, muitos investidores mantêm seus investimentos ou até colocam mais dinheiro porque ouviram de algum “especialista” ou seguiram um grupo que acredita em uma recuperação do ativo. Ou simplesmente porque acreditam que podem recuperar suas perdas –é o otimismo em ação.
No mercado de ações, a máxima que diz para “comprar na baixa e vender na alta” valida esse comportamento. O problema está em fazer isso sem entender o que está acontecendo com o mercado, com a economia e com o ativo. Sem isso, as chances desse investidor perder ainda mais dinheiro são grandes.
O contrário também acontece e é o mais comum. Quando a Bolsa cai muito ou quando as ações de uma empresa específica despencam, tem investidores que saem com a manada e vendem seus papéis sem entender o cenário. Eles acabam perdendo dinheiro por sair na hora errada e também perdendo a oportunidade de um ganho futuro –fator que poucos colocam na balança.
O problema maior é que, na tentativa de reverter essa perda, eles voltam a comprar papéis dessa empresa quando o cenário melhora, e nem percebem que podem ter perdido dinheiro de novo, ao comprar a um preço maior do que eles venderam anteriormente.
Quando estou mais suscetível ao efeito manada?
Em um cenário de instabilidade. “Em momentos de mais incerteza, os vieses são amplificados, porque nossa tendência é buscar certezas e isso aumenta as chances de seguir a manada. Momentos de grandes perdas também, porque queremos evitá-las e há um processo emocional envolvido”, explica a economista comportamental Flávia Ávila.
O excesso de informação também incentiva o efeito manada. Quando você tem muita informação, é mais difícil tomar uma decisão. Seu cérebro não quer gastar energia pensando em tantas alternativas. Nesse cenário, inconscientemente, você delega essa decisão para a manada – seja ela um grupo, sua família, seus amigos ou aquela celebridade da internet.
No sentido contrário, a falta de conhecimento é terreno fértil para o efeito manada florescer. É ele que faz os investidores iniciantes seguirem movimentos de mercado que eles ainda não entendem, por exemplo.
Como evitar o efeito manada?
Para Flávia Ávila, cercar-se de pessoas que pesam prós e contras na hora de tomar decisões ajuda a evitar o efeito manada, bem como buscar as informações corretas, das fontes corretas, antes de tomar uma decisão.
“Às vezes, se perguntar porque você está tomando determinada decisão é o melhor caminho. É colocar no papel o motivo. Procure olhar para outras influências, buscar alguém fora do contexto, sair da sua bolha. Muitas vezes, conversar com uma pessoa fora do contexto já ajuda a quebrar um pouco a fantasia”, afirma a especialista.
Outra estratégia é sair da situação, seja fisicamente ou virtualmente, antes de tomar a decisão. Se você está em um grupo online, por exemplo, decidindo fazer um investimento junto com seus amigos, deixe a conversa de lado por um momento. Afastar-se do contexto ajuda a reduzir a adrenalina e te permite pensar com mais calma.
O mesmo acontece no mundo físico. Sabe aquele momento em que você está em uma loja, quase comprando algo que sequer havia planejado? Antes de passar o cartão, saia da loja, afaste-se e respire antes de tomar a decisão.
Essas estratégias ajudam a reduzir as chances de você cair no efeito manada, mas não tem como evitá-lo por completo. “São movimentos inerentes às nossas operações mentais, que não conseguimos evitar totalmente”, escreveu a psicóloga e psicanalista Vera Rita de Mello Ferreira no livro Decisões Econômicas.
Em outras palavras, em algum momento, você vai seguir a manada. A estratégia é se cercar de cuidados para evitar grandes danos e perdas quando isso acontecer.
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