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Como falar sobre dinheir...

Como falar sobre dinheiro com os pais?

Não adianta empurrar essa conversa com a barriga. Cedo ou tarde, para o bem deles e o seu, ela precisa acontecer. Veja as dicas.



Imagem ilustrada de um porquinho grande roxo escuro atrás de um porquinho menor cinza claro com semblante preocupado, tudo sobre fundo rosa

A única certeza na vida é a morte, não é? Então é melhor tirar logo o tabu da frente para pensar sobre um planejamento financeiro diferente, o planejamento para o fim. Pode ser que ele demore muitos anos ainda, pode ser que esteja perto – geralmente não tem como saber.

Se o tema já te causa um desconforto, saiba que você não está sozinho. Segundo uma pesquisa do Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil, o Sincep, 68% dos brasileiros não estão prontos para quando a morte chegar. Claro, ela está muito ligada a sentimentos difíceis de lidar. 

Pra 63% dos entrevistados, está ligada à tristeza, e 55% acham que a morte está conectada com o sofrimento. Pode até ser que outras culturas pelo mundo lidem melhor com ela, mas para os brasileiros, o fim da vida é muito difícil.

Então tire a poeira dos temas sensíveis porque planejamento é tudo – para as horas boas e para as ruins também. Pode apostar que você vai agradecer por ter tido a coragem de enfrentar esses assuntos difíceis antes, e vai poder lidar com o momento em paz. Leia mais abaixo.

Tabus da vida e da morte

Sabe outro tema que é tabu entre as famílias? Dinheiro. Um estudo de 2020 do DataFolha mostrou que 97% dos brasileiros têm dificuldade em lidar com dinheiro. Juntou um tabu com outro e deu no que deu, ninguém fala disso. Mas uma coisa é certa: quanto menos se falar sobre dinheiro, dívidas, herança ou bens com seus pais, maior vai ser o susto quando essa hora chegar.

Mas por que ninguém fala disso? Existem vários motivos, e são muito particulares. Ninguém fala porque é tabu, e é tabu porque ninguém fala. Mas a psicologia tem algumas hipóteses do porquê das pessoas terem tanta dificuldade de falar sobre a finitude da vida. A professora de psicologia da PUC de São Paulo, Maria Helena Franco, especialista em luto, tem uma hipótese.

“É difícil pra nós falar sobre a morte porque vivemos em uma sociedade que valoriza e privilegia o sucesso, a superação, a produtividade, e a morte vem na contramão. Vem para lembrar que ela vai chegar para todos, e que você não precisará mais ser uma pessoa tão produtiva. Você deixará de ser, você não mais existirá. Então vai na contramão do que se valoriza atualmente.”

O tabu da herança

Falar de dinheiro – e principalmente de herança – mexe com algumas questões sensíveis. Por exemplo: quem vai ficar com o que? Só essa pergunta já tem potencial explosivo pra gerar muitas brigas, e os pais muitas vezes querem evitar passar por isso. Melhor deixar que os filhos se resolvam quando não estiverem mais aqui, não é? Não exatamente.

A partilha litigiosa, ou seja, esses mal entendidos na hora de dividir os bens, pode custar muito caro depois. Há casos em que o patrimônio fica travado na justiça por anos até que o caso seja julgado. E dá-lhe bancar os gastos com  advogados. É importante lembrar que, no caso de batalha judicial, ninguém pode vender os bens ou imóveis até que esteja tudo resolvido.

Para quem decidir conversar antes, a regra é ceder daqui e dali para chegar em um consenso. Transferir os bens ainda em vida pode te economizar tempo e dinheiro. Dependendo do estado em que mora, o imposto de doação de bens é mais baixo do que o ITCMD, o imposto de transmissão de causa mortis. Vale checar os valores para o seu estado.

Outra vantagem da doação de imóveis em vida é o fato de que não precisa pagar os honorários de um advogado, o que é obrigatório no inventário. Além disso, você também pode ir transferindo um bem por vez, diluindo os impostos, enquanto que no inventário vai tudo de uma vez só.

Ah, e tem mais uma dificuldade pra lidar. Às vezes, os pais simplesmente não querem ter a sensação de perder o controle de suas vidas. A professora Maria Helena explica como isso funciona.

“Essas pessoas podem não querer abordar o assunto como se assim se mantivessem num último domínio que podem ter sobre sua vida. Como assim a próxima geração quer saber dessas coisas, quer tomar o controle? Este é um assunto importante a ser tratado, e a ser tratado quando é possível tomar decisões, mudar direções, mudar opiniões, de maneira a facilitar para as pessoas que vão gerenciar essa questão mais tarde”

Como começar a falar sobre dinheiro e bens com os pais?

Seus pais têm um seguro de vida? E plano funerário? Eles têm dívidas? Qual o tamanho delas? Em quais instituições financeiras eles têm conta? A família conhece todos os bens que seus pais possuem? E esses bens são registrados no nome deles?

Essas perguntas todas dão até uma ansiedade de começar a pensar no futuro e dão um sinal de quanto você está informado sobre a vida dos seus pais. Mas não tem como escapar delas se quiser ter uma ideia do que vai acontecer quando um deles partir. Um relatório da consultoria americana de envelhecimento, Age Wave, com o banco Meryll Linch, mostrou que mais da metade dos entrevistados acredita que vai deixar uma bagunça financeira para seus familiares por falta de organização.

Mas como começar a falar disso então? A professora Maria Helena, da PUC, dá algumas dicas.

“Considerando que as famílias têm um modo de funcionamento muito próprio, abordar essa questão com sensibilidade significa que se possa falar sobre como são as suas finanças, o que podemos fazer a respeito, a partir de experiências que são observadas. De conhecidos, de outros familiares, para trazer o assunto próximo e pensar: como seria conosco? Onde nós temos segurança pra tomar essas decisões? Fulano não teve um seguro de vida e isso acarretou problemas pra família. Vamos pensar nisso?”

Portanto a professora sugere que um jeito mais fácil de puxar o assunto em família é levantar perguntas a partir da experiência ruim que outras pessoas próximas tiveram por não se planejarem. E, provavelmente, você conhece algum caso assim pra lembrar. Outra dica valiosa: o tempo. Talvez não dê mesmo para resolver tudo de uma vez, e tudo bem. Mas precisa começar de algum jeito.

Os pais toparam conversar sobre dinheiro: e agora?

Vocês conseguiram construir esse diálogo e se entenderam sobre a importância de ter essa conversa. Por onde começar? A professora Maria Helena sugere um caminho.

“Conversar com os pais sobre as finanças deles de modo a facilitar os trâmites, o gerenciamento dessa questão após o falecimento deles, eu entendo que é uma conversa a ser feita com um tanto de objetividade, cuidado, e com muita amorosidade.”

Ela fala de objetividade, ou seja, é uma questão prática e deve ser tratada assim pra tentar fugir do aspecto emocional da coisa, porque ele é muito difícil de lidar. Também fala em cuidado, claro, porque mesmo que sejam questões práticas, ainda envolvem sentimentos que vão aparecer. E a amorosidade é fundamental. Demonstrar afeto e empatia por todos os envolvidos aumenta a confiança entre as pessoas.

O que fazer na prática?

Além da parte psicológica da conversa, tem a parte da organização. O que você precisa saber? O ideal talvez seja organizar tudo em uma pasta que reúna documentos e informações para quando precisar. Veja algumas sugestões a seguir:

  • Para quem ligar primeiro: informações imediatas sobre planos funerários e seguro de vida. Elas devem ficar bem acessíveis pra que seja fácil de encontrar caso precise. Ali pode ter também últimos desejos, se a pessoa quiser.
  • Informações bancárias: essa pasta também precisa conter informações sobre os bancos em que eles mantêm contas abertas, com a agência, quem é o gerente com quem têm relacionamento, quais cartões de crédito estão ativos, e um extrato bancário, que pode ser atualizado anualmente, com o saldo da conta. Mesmo que seja negativo, é importante pra você ter uma ideia do saldo financeiro deles.
  • Contas do dia a dia: juntar os boletos em que apareçam o código de usuário facilitam muito para falar com o atendimento e cancelar ou mudar de titularidade, se for o caso. Luz, água, internet, condomínio, plano de saúde, assinaturas de academia, serviços de streaming, passe de pedágio do carro. Vale tudo.
  • Investimentos: também é importante anotar os investimentos de todos os tipos, quantos são e onde estão concentrados.
  • Bens: outra dica é listar os bens, como automóveis, jóias, obras de arte, tudo o que tiver algum valor. No caso de imóveis, é bom ter a matrícula e o status de registo deles, para saber por onde começar. Se seus pais quiserem fazer um testamento, ele precisa ser registrado em cartório para ter validade – e pode ser guardado junto desses outros documentos. Mas é importante lembrar: a lei brasileira só permite que até 50% do patrimônio seja doado para herdeiros não diretos. Os outros 50% são de direito dos herdeiros, como cônjuge e filhos, por exemplo. 
  • Dívidas: se a pessoa tiver dívidas, é de grande ajuda fazer um levantamento bem organizado delas. Se for dinheiro devido ou a receber de pessoas físicas então, mais importante ainda, porque geralmente não existem registros desse tipo de empréstimo pessoal. Débitos de empréstimos em banco, parcelamentos ou financiamentos que ainda não foram quitados também valem, e aqueles impostos atrasados não podem ficar de fora.
  • Empresa: se houver alguma empresa no nome dos pais, é bom mapear todos os documentos dela também. Existe alguém administrando? Qual o contato do contador? Anotar quem são os funcionários que precisam ser comunicados, a responsabilidade de cada um, e o controle fiscal da empresa.

O que fazer se não conseguir falar sobre dinheiro com seus pais?

No fim das contas, talvez essa seja uma conversa mais difícil para algumas famílias que queiram evitar ao máximo. Para outras, pode ser que ela comece bem mais cedo, seja por questões de saúde, pelos pais precisarem da sua ajuda, ou por questões financeiras mesmo, já que os idosos podem acabar dependendo dos filhos pros seus cuidados.

A professora Maria Helena Franco lembra da importância de ter tudo mais resolvido pra poder lidar com os sentimentos em vez de simplesmente ser engolido pelas burocracias.

“O luto é uma experiência multifacetada, não há um único fator que determina se é um luto mais difícil de ser vivido ou não. Lidar com as questões burocráticas certamente traz um peso grande. Então vale lembrar: o que for facilitado, o que já vier encaminhado de maneira que as pessoas vivam a experiência emocional importante daquele luto sem ainda o peso de ter que resolver as questões faz muita diferença.”

Agora você tem todas as dicas de como e por que conversar com seus pais sobre dinheiro, e também do que falar. Especialistas sugerem que isso seja feito quando está todo mundo saudável ainda, para evitar que no momento de fragilidade de saúde esse assunto apareça e se torne ainda mais pesado. 

Mas o elemento mais importante é mesmo a sua sensibilidade de entender o momento adequado. Com planejamento, cuidado e carinho, dá pra passar por momentos difíceis com um pouco mais de tranquilidade.

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