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Quem são e onde estão as...

Quem são e onde estão as mulheres que investem?

Mulheres já são mais de um milhão de investidoras ativas na Bolsa de Valores brasileira, mas ainda enfrentam obstáculos para administrar os próprios recursos. Conheça quem são elas e os seus desafios.



Quando pensamos na imagem de um investidor, como os que vemos nos filmes ou na publicidade, algumas características costumam vir à mente: geralmente é um homem, branco e engravatado. Seja em Wall Street ou na B3, o perfil é mais ou menos esse mesmo: os dados do mercado de investimentos confirmam essa impressão. 

Não apenas porque homens ganham 17% mais do que mulheres, segundo o IBGE, mas também pela perpetuação de um viés inconsciente. Por muito tempo, o domínio de temas ligados ao dinheiro costumavam ser atrelados exclusivamente a figuras masculinas. 

Mesmo com mais de 1,3 milhão de mulheres ativas na Bolsa de Valores brasileira e quase 110 bilhões de reais aplicados por elas, segundo a própria B3, isso ainda representa 23,3% do total de investidores. Esse é um dos motivos pelo qual mulheres sentem dificuldade em se perceber como investidoras. 

Conheça, abaixo, um pouco mais de suas histórias, das dificuldades para entrar nesse mundo tão masculino, e dos aprendizados que elas têm para compartilhar.

Qual é o perfil da mulher investidora no Brasil?

Pode até não parecer, mas mulheres estão no páreo há mais tempo do que se imagina. A brasileira Eufrásia Teixeira Leite foi reconhecida pela B3 e pela ONU Mulheres como a primeira mulher a investir na bolsa do país. Ela era do Rio de Janeiro, mas cruzou o mundo aplicando uma grande quantidade de dinheiro em bolsas de 17 países, negociando em nove moedas diferentes.

A história dela aconteceu na virada do século 19 para o 20, num período em que as mulheres brasileiras sequer tinham direito ao voto. Eufrásia herdou a riqueza dos pais, multiplicou os próprios ganhos e se tornou dona de uma fortuna avaliada em 5% do PIB de toda a produção de café na época. Nunca teve filhos e nem se casou para não perder o direito aos próprios bens, já que naquele período as mulheres casadas eram obrigadas a deixar as finanças da família sob a tutela dos homens caso fossem casadas. 

Essa mesma determinação pode ser percebida nas mulheres brasileiras que investem hoje. Há, ainda, um outro fator que permanece inalterado: a maioria delas parte de um lugar de privilégio parecido com o de Eufrásia. Se pudéssemos dar um rosto a essa mulher que investe hoje, ela provavelmente teria as seguintes características: branca, jovem, com renda mensal superior a nove mil reais, altamente escolarizada e moradora da região sudeste do Brasil.

Foi mais ou menos isso que duas pesquisadoras encontraram quando foram a campo para elaborar um estudo chamado Panorama de Consumo e Investimento da Mulher Brasileira, divulgado em 2020. Renata Piacentini é diretora do Instituto de Ciência e Tecnologia da UNIFAL e Mariana Ribeiro é mestranda do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. 

Juntas, elas perceberam que ainda existe pouca inserção de outros perfis de mulheres entre as investidoras. Durante os quatro meses de coleta de dados, Renata e Mariana conversaram com cerca de 2.600 mulheres e só 17% das respondentes se reconheciam como pardas. As negras foram apenas 7% do total. 

“Falar de investimentos de alguma forma não é algo que chega a todas as mulheres brasileiras e eu acho que isso já é um dado. Acho que esse rosto da investidora brasileira na nossa pesquisa faz um paralelo muito relevante com o perfil do investidor brasileiro, que é um homem branco, com alto grau de escolaridade e alta renda”, diz Renata. Ela e Mariana também descobriram que essas mulheres investem, majoritariamente, na poupança. Logo abaixo ficam as aplicações de renda fixa, como CDBs e LCs. 

O Tesouro Direto aparece na terceira posição. Quando as mulheres são questionadas sobre quais investimentos elas escolheriam se tivessem mais dinheiro, a resposta muda: ações e fundos imobiliários figuram entre os primeiros resultados. Muitas delas respondem também que gostariam de viver apenas do rendimento de seus investimentos, o que demonstra que elas sabem onde querem chegar, mas talvez não tenham as ferramentas ou os recursos para isso.

Perfil de investidor: quais são e como funcionam

A vez das mulheres de baixa renda

“Meu investimento é aquele tradicional: poupança e previdência privada”.

Quem diz isso é Raquel Ribeiro, de 47 anos. Ela é diarista, mas também trabalha como comunicadora na Bori, uma agência de jornalismo especializada em divulgação científica. Raquel é responsável pelo engajamento das comunidades nas redes sociais da empresa e, por isso, é consumidora voraz de notícias, além de participar ativamente de rodas de conversa no Twitter. 

No dia a dia, entre uma faxina e outra, concilia o trabalho com a internet sem se desgrudar do rádio. Foi lá que ela descobriu que existiam investimentos seguros, onde poderia começar com pouco. “Eu pretendo fazer Tesouro Direto, mas ainda não aprendi. Quando eu ouvi falar sobre o Tesouro, disseram que com 30 reais você pode começar. Então eu pensei que isso já está dentro da minha realidade”, diz. 

Na vida profissional, Raquel já fez de tudo: se formou em contabilidade, mas viu muitas portas se fecharem por conta do racismo. Ela sempre foi avessa aos números, e imaginou que a graduação poderia lhe trazer oportunidades. Não funcionou. “Sou filha única. Eu e minha mãe morávamos em um lugar bem ruinzinho. Como eu já sabia fazer trabalhos domésticos, fiz bicos quando aparecia. Depois fui babá, trabalhei em creche, fui balconista e agora, desde 2011, comecei a trabalhar nesse emprego como diarista direto”, lembra.

Apesar de trabalhar duro, Raquel sente os impactos da alta da inflação todos os dias. Aprender a investir, para ela, não tem a ver com enriquecer, mas com garantir o básico para quando não puder mais trabalhar. Por isso, ela encara o futuro com preocupação. 

“Como eu vou me virar quando não puder trabalhar? Porque o dinheiro vem atrelado ao trabalho. Pessoas mais pobres têm a impressão de que dinheiro e investimento é só pra rico. Sempre que tem uma pessoa no rádio [falando de investimentos] é alguém que tem R$ 100 mil, que ganha R$ 20 mil… E a gente que ganha um salário mínimo, como é que fica? Acho que deveria haver um jeito de que pessoas como eu, que tem uma preocupação como eu tenho, terem mais acesso”, comenta. 

Outras investidoras na faixa etária de Raquel têm uma percepção similar. A resposta sobre o que as mulheres buscam com seus investimentos muda de acordo com a faixa etária. Ainda segundo o Panorama de Consumo e Investimento da Mulher Brasileira, entre as jovens de 18 a 30 anos, a principal motivação para guardar algum dinheiro está atrelada a objetivos de curto prazo, mais específicos. 

A partir dos 30 anos, as metas passam a ser de médio prazo, como a compra de um carro ou uma viagem. A questão da aposentadoria fica mais latente entre 41 e 45 anos, período em que também elas se mostram mais atentas com o futuro de outros familiares, como os filhos.

Mulheres também reconhecem que os investimentos podem trazer riqueza, conforto e bem- estar no longo prazo, mas tudo isso vem acompanhado de inseguranças que as impedem de ter ganhos maiores. 

Uma pesquisa global desenvolvida pela empresa americana Coleman Parkes Research revela que se as mulheres do Brasil investissem na mesma proporção que os homens, haveria pelo menos mais US$ 52 bilhões em ativos sendo geridos por pessoas físicas hoje. Entre as dificuldades listadas pelas mulheres ouvidas na pesquisa, estão os obstáculos de renda, a falta de confiança no próprio taco e também a sensação de que investir é arriscado. 

Historicamente, mulheres ganham menos do que homens. No mundo dos investimentos, isso acaba criando a mentalidade de que só é possível começar quando já se tem muito dinheiro. A mesma pesquisa mostra que as brasileiras acham que precisam ter uma renda mínima de mais de R$ 7 mil antes de investir qualquer centavo. 

Em um país como o Brasil, onde a renda média das mulheres é de pouco mais de R$ 2 mil por mês, dados como esse podem dimensionar o tamanho do abismo entre homens e mulheres quando o assunto é investimento. 

Mulheres que investem

Gabriela Augusto é uma mulher negra, de 28 anos, transexual e empresária. Fundou a Transcendemos, empresa de consultoria em diversidade e inclusão, que nasceu com o propósito de promover uma sociedade mais justa e igualitária. Mesmo atuando no mercado de investimentos desde 2017 e já possuindo um perfil arrojado, Gabriela não escapou dos desafios impostos por ousar permanecer em um local que, originalmente, não foi desenhado para ela. 

“No meu círculo familiar, poucas mulheres investem. Eu sou de uma família bastante humilde, então infelizmente o dinheiro nunca sobrou. Investimento nunca foi uma conversa e lidar com dinheiro nunca foi uma coisa muito fácil pra mim”, conta. 

Foi só ao receber uma bolsa de estudos para o curso de Direito que a jovem passou a ter mais familiaridade com o tema, inspirada por colegas de classe que mostravam uma visão mais aprofundada do assunto. “Uma coisa que me chamou a atenção é que eu encontrei mais homens, fiz alguns amigos que investiam, mas nunca mulheres. Eu não me lembro de ter tido essa conversa com mulheres”, revela. 

Para uma mulher cisgênera, isto é, aquela que foi biologicamente identificada como mulher ao nascer e que permaneceu ao longo da vida se reconhecendo desta forma, encontrar um espaço confortável de troca de conhecimento já é difícil. 

No caso da Gabriela, existe uma camada extra: a transfobia. A fase de transição de gênero coincidiu com o começo da jornada dela como investidora – e foi aí que enfrentou agressões simbólicas apenas por ser quem é. 

“Por estar nesses grupos no momento da transição [de gênero], eu acabei sendo removida de alguns deles. Eu não fui reconhecida enquanto mulher ali. A maior parte dos grupos era formada por homens e, a princípio, eles já eram bastante hostis a mulheres. Foi ainda mais difícil, ainda mais hostil para mim, enquanto mulher trans. Eu até deixei essa vida de investidora um pouco de lado. Muito por conta dessa dificuldade de encontrar um lugar amigável às mulheres”.

Alguns estudos confirmam o que Gabriela percebeu na prática: pessoas da comunidade LGBTQIA+ passam pelo mesmo quando começam a investir, segundo uma pesquisa desenvolvida pelo banco UBS. O relatório diz que a discriminacão faz com que essas pessoas apliquem seus recursos de forma diferente. 

Ao contrário de outros grupos minoritários, essa comunidade tem dificuldade em encontrar apoio familiar quando sofrem algum tipo de violência, o que as obriga a sair de casa mesmo que não tenham para onde ir. Isso cria um histórico de dívidas e incertezas em relação ao dinheiro, do qual é muito difícil se ver livre. Uma vez que eles conseguem deixar esse ciclo vicioso, passam a buscar por investimentos seguros, em empresas comprometidas. 

Durante a caminhada, Gabriela diz que foi fundamental ter referências de mulheres em quem pudesse se inspirar, como influencers de finanças. Hoje ela se arrisca mais e busca, sem medo, por ativos que trazem um retorno acima da média, com aplicações em fundos de investimentos e até em criptoativos. Conseguiu, com o tempo, consolidar um espaço que é só dela. 

“Definitivamente eu não acho que o mercado financeiro é inclusivo para mulheres. Acho que ainda é um espaço dominado por homens e a gente ainda tem um longo caminho pela frente. Não só em mostrar para os homens que esse também é um espaço nosso, mas também passar uma mensagem para as mulheres de que a gente pode também. Devemos ocupar o nosso espaço e que liberdade financeira é um dos caminhos que a gente deve trilhar rumo a uma igualdade de gênero”, completa. 

Quanto mais mulheres, melhor

Problemas estruturais pedem medidas profundas. Seja no mercado financeiro ou fora dele, mulheres ainda colhem frutos da falta de oportunidades que foram passadas de geração em geração para os homens. Quando esse cenário encontra o medo de se arriscar em algo que não se conhece, a insegurança pode ser paralisante. 

“Hoje as mulheres ainda precisam lutar por espaço e equidade. No mundo do investimento, nós sofremos as mesmas questões. Quem vai trabalhar no mercado financeiro muitas vezes é a única mulher numa equipe majoritariamente masculina e isso é bastante desmotivante. A gente não tem espelhos, não tem outras figuras femininas para se apoiar, mentoras que podem nos ajudar nessa carreira. Essa questão também é fruto de um momento em que a gente, até algumas décadas passadas, precisava de autorização do marido para poder realizar alguns tipos de operações financeiras”, diz Renata. 

Na visão dela, a saída possível está na educação financeira, que deve ser aplicada em diferentes frentes. Seja na escola, formalmente, seja na internet, com influenciadores digitais que ajudam a democratizar o acesso à informação. 

“Eu acho que a educação financeira com as crianças é o que traz mais resultado no longo prazo. Cursos gratuitos, programas de treinamento e incentivo à participação das mulheres no mercado financeiro são ações de extrema relevância. Mas a mudança estrutural que a gente busca quando fala em uma maior participação das mulheres precisa começar desde o início”, explica. 

Não vai ser fácil e não será do dia para a noite. Mas, quanto mais cedo se começa, mais rápido a transformação acontece. Até que chegue o dia em que nenhuma mulher fique para trás.

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